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Tribunal diz que declarações de André Ventura “são falsas”, “especialmente graves” e “marginalizam” os ofendidos

Tribunal diz que declarações de André Ventura “são falsas”, “especialmente graves” e “marginalizam” os ofendidos
MÁRIO CRUZ/Lusa

Líder do Chega chamou "bandidos" a família do Bairro da Jamaica fotografada com Marcelo Rebelo de Sousa. Trata-se de um juízo de valor que "diminui e marginaliza" os ofendidos, diz a sentença, consultada pelo Expresso, sublinhando que Ventura e o partido "não mostraram qualquer arrependimento". Tribunal salienta que os membros daquela família têm nacionalidade portuguesa e que quase todos têm trabalho e não recebem qualquer prestação de apoio social por parte do Estado

Tribunal diz que declarações de André Ventura “são falsas”, “especialmente graves” e “marginalizam” os ofendidos

Hugo Franco

Jornalista

Tribunal diz que declarações de André Ventura “são falsas”, “especialmente graves” e “marginalizam” os ofendidos

Hélder Gomes

Jornalista

A juíza Maria Prazeres Pires Preto, do Tribunal Judicial de Lisboa, não poupa André Ventura, líder do Chega, no caso em que o dirigente da extrema-direita apelidou de "bandidos" a uma família do Bairro da Jamaica (Seixal) que foi fotografada ao lado do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa a 4 de fevereiro de 2019, poucos dias depois de uma ação policial conturbada naquele bairro. Os "juízos de valor emitidos pelo réu são falsos e, por isso, não gozam da proteção que lhes caberia ao abrigo da liberdade de expressão de que o réu é titular".

Recorde-se que André Ventura mostrou a referida fotografia num debate televisivo na SIC com Marcelo Rebelo de Sousa durante a campanha eleitoral para a presidência da República afirmando que Marcelo Rebelo de Sousa "juntou-se com bandidos, um deles é um bandido verdadeiramente, que tinham atacado uma esquadra policial e quando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa foi ao Bairro da Jamaica, foi visitar os bandidos, não foi visitar as polícias". Ou ainda: "Nunca vou ser Presidente dos traficantes de droga ou de pedófilos. Isso não é ser verdadeiramente Presidente dos portugueses de bem."

A juíza incluiu na sentença outras declarações feitas num programa da TVI, conduzido por Manuel Luís Goucha, na sequência do debate televisivo de janeiro de 2020. A meio da entrevista, o apresentador confrontou André Ventura com a fotografia dos ofendidos com o Presidente da República e questiona-o: “Ontem não foi injusto quando apresentou esta fotografia ao Presidente Marcelo, eu ouvi a palavra “bandidos” … Eu vejo aqui quatro mulheres, vejo um homem que possivelmente tem a minha idade, vejo uma criança e vejo um jovem. Bandidos?" Ao que o candidato presidencial respondeu: “Não, estava-me a referir a este indivíduo que aqui está, de camisola vermelha, já tinha sido condenado e isso aliás até foi notícia depois… Manuel, não podemos ter um Presidente, que uma esquadra é atacada e que vai ter com a bandidagem em vez de ir ter com os polícias. É um péssimo sinal à democracia.”

Na sentença a que o Expresso teve acesso, a juíza sublinha que as declarações de André Ventura "são especialmente graves", por terem sido feitas em canal aberto de televisão para milhões de telespetadores e por ter sido "utilizada uma foto onde se encontram representados homens, mulheres e crianças de um grupo de pessoas moradoras de um bairro degradado e de modesta condição social, na sua maioria vindas de países africanos, a cuja imagem o Réu cola toda uma panóplia de menções depreciativas". Além disso, chamar bandidos aos ofendidos é "um juízo de valor que os diminui e marginaliza".

O tribunal demonstrou que os visados não participaram ao ataque à esquadra da PSP da Bela Vista, na sequência dos confrontos entre a polícia e moradores do bairro a 20 de janeiro de 2019. E que entre a família fotografada só um dos membros, Hortêncio Coxi, tem "inscrições no seu registo criminal, tendo sido condenado em três ocasiões, por crime de desobediência, tráfico de menor gravidade e condução sob influência de álcool". Salientou ainda que os membros daquela família do Bairro da Jamaica têm nacionalidade portuguesa e título de residência válido em Portugal. E que quase todos têm trabalho e não recebem qualquer prestação de apoio social por parte do Estado português.

Ao Expresso, Leonor Caldeira, a advogada da família ofendida, afirmou: “Num Estado de Direito democrático, são os tribunais que definem as linhas vermelhas da liberdade de expressão. Com esta decisão, ficamos a saber que humilhar pessoas negras e pobres não é uma arma retórica à disposição de atores políticos – e essa certeza é muito importante para a afirmação dos direitos humanos e, concretamente, para a proteção do direito fundamental à honra e à imagem de todos”. A advogada enfatizou que “sem prejuízo de estarmos a aguardar o trânsito em julgado da decisão, é uma excelente notícia, não só para a justiça do caso concreto, mas que tem também relevo de interesse público”.

André Ventura e o Chega foram condenados a pedir desculpa à família Coxi, sendo obrigados "a emitir uma declaração, escrita ou oral, de retratação pública, a ser publicada nos mesmos meios de comunicação social onde as respetivas declarações e publicações ofensivas dos direitos de personalidade dos Autores foram originalmente divulgadas (SIC, SIC Notícias, TVI e conta do Partido Chega no Twitter), no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, com a sanção pecuniária compulsória de 750 euros por cada dia de atraso no seu cumprimento.

Além disso, o Chega foi condenado a eliminar a publicação do dia 22 de janeiro de 2021, às 19:49h, da sua conta oficial na rede social Twitter, "que ofende o direito à honra e o direito à imagem dos autores".

Ventura fica também inibido de produzir afirmações semelhantes sob o risco de ter de pagar 5 mil euros por cada uma dessas afirmações, orais ou escritas.

A juíza dá ainda destaque ao facto de André Ventura não ter demonstrado arrependimento pelas declarações que fez na televisão e que voltaria a proferir o mesmo tipo de afirmações. "Nem André Ventura, nem o representante legal do Partido Chega mostraram qualquer arrependimento pela forma como trataram os autores na campanha eleitoral para as eleições presidenciais, entendendo o réu André Ventura que não praticou qualquer ofensa contra os mesmos e admitindo que voltaria a repetir os factos que lhe são imputados nos autos."

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: HFranco@expresso.impresa.pt

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