Pedro Soares Martinez. Pronunciar este nome provoca reações imediatas. Foi um dos professores mais temidos da Faculdade de Direito de Lisboa, sobre quem se contam histórias de orais atemorizadoras e chumbos redondos, anos a fio, nas disciplinas de Fiscal e Finanças. "Uma grande injustiça, um mito que se criou a meu respeito", diz ele. Outras histórias lendárias se contam.
A célebre frase no seu doutoramento com Marcello Caetano, examinador de Martinez, que lhe terá dito que as ideias originais não eram boas e as boas não eram originais - "Essa já não é mito, foi mesmo assim que aconteceu" - ou ainda os episódios durante as crises académicas, nos idos de 70, quando soltou sobre os alunos os seus "gorilas" para pôr ordem na faculdade nos anos em que foi diretor.
Mas Pedro Soares Martinez, 89 anos, académico, advogado, grande especialista em matérias como Economia Política e Direito Fiscal, é sobretudo um dos nomes de referência do Estado Novo, inúmeras vezes apelidado de fascista pelos anos em que se atravessou na História e se tornou uma figura do regime. No início dos anos 60 passou pelo governo, foi ministro de Salazar na pasta da Saúde e Assistência, foi funcionário dos quadros diplomáticos do Mistério dos Negócios Estrangeiros, chegou a chefiar a Cifra, fundou o Pacto Atlântico e foi nomeado cônsul em Cantão - "Um lugar onde nunca pôs os pés" - e publicou uma vasta obra sobre matérias do direito, da diplomacia .
No 25 de Abril foi saneado da Universidade.
Entre 1974 e 1976 esteve no exílio, na Espanha de Franco, onde manteve relações com os grupos da extrema-direita durante o PREC. E depois regressou. Recuperou o seu lugar de académico, voltou às férias em Caminha, à sua casa de sempre, à tranquilidade de Lisboa.
Nos últimos trinta anos assinou com regularidade artigos nos jornais "Dia" e "Diabo" e foi aí que fez opinião. Ao Expresso, abriu as portas da sua casa, um palacete discreto na rua de São Bento e concedeu uma rara entrevista.
Atravessamos o átrio, subimos uma escadaria ampla, de pedra clara e paredes revestidas de quadros e azulejos.
No topo da escada, um cavaleiro de armadura negra e máscara de ferro aguarda o visitante. Através de uma porta entreaberta vislumbramos uma pequena capela e fazem-nos entrar para uma sala envolta numa penumbra silenciosa.
Enquanto aguardamos o anfitrião espreitamos as fotografias em moldura de prata, os quadros antigos, as paredes forradas de livros, os sofás de veludo. Soares Martinez viveu sessenta anos nesta casa com a mulher, com quem partilhava um gosto por antiguidades, muitas afinidades de espírito e uma prole numerosa entre filhos, os netos e os bisnetos. Agora que vive só, continua a dedicar-se à escrita, promove tertúlias com amigos, perde-se nos livros da sua vasta biblioteca.
É um homem afável aquele que nos recebe, um senhor à moda antiga. Oferece-nos um aperitivo antes do almoço, serve-se de um whisky com gelo, senta-se disposto para a conversa, conta histórias, imita gestos, descreve Conselhos de Ministros, fala no prazer das viagens - Itália, Marrocos, México - e da sua paixão pela diplomacia. Tem um olhar fino sobre a História e uma ironia subtil: "O Salazar não tinha volume de voz, uma conversa com ele parecia um jogo de pingue-pongue e não era o Salazar que deixava cair a bola. Agora era aquela voz fraca...". Durante as longas horas em que decorreu a entrevista nunca se esquivou às respostas... Mas quando queremos saber das suas memórias afetivas, esconde-se. Ainda se comove ao lembrar-se do pai e cita Platão. Em novembro fará 90 anos.
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