Apesar de estarem há décadas a combater regulações de emissões poluentes, as empresas petrolíferas sabem há pelo menos 50 anos que a poluição atmosférica causada pelo sector é um risco para a saúde. A conclusão é do jornal “The Guardian”, que teve acesso a documentos internos das empresas - que mostram, por exemplo, que a indústria tinha noção que os efeitos das partículas poluentes eram capazes de prejudicar a saúde dos filhos dos funcionários que haveriam de nascer.
Um relatório interno da Imperial Oil (uma subsidiária da Exxon), datado de 1967, aponta que a indústria do petróleo é “um grande contribuidor das principais formas de poluição”. No ano seguinte, funcionários da Shell reconheciam que a poluição do ar “pode, em situações extremas, ser pernicioso para a saúde”, e que todas as empresas de petróleo devem aceitar que os carros “são de longe a maior fonte de poluição atmosférica”. Este relatório técnico ia mais longe: alertavam que o dióxido de nitrogénio, um gás poluente libertado por automóveis, pode causar dano nos pulmões e previam que no futuro haveria “um clamor para reduzir esse tipo de emissões, provavelmente baseado nos efeitos crónicas que pode causar [na saúde humana] a longo prazo”.
Mesmo assim, gigantes como a Exxon, a Shell e a Esso passaram os anos seguintes a descredibilizar a ciência que ia sendo desenvolvida sobre aquecimento global, queima de combustíveis fósseis e poluição atmosférica. Também foram contrariando e atrasando medidas públicas para reduzir as emissões de partículas poluentes e assim diminuir os problemas de saúde pública.
Num comunicado de 1998, a Exxon dizia isto: “O peso das evidências sugere que não há uma base substantiva para concluir que existe uma relação causa-efeito entre PM2.5 [partículas] e um acréscimo de mortalidade”. Oito anos antes, a mesma empresa tinha uma posição diferente: “À medida que a tecnologia e a saúde têm avançado, temos ficado mais conscientes dos potenciais impactos que as nossas operações podem ter na segurança e na saúde”.
Esta descredibilização da ciência continua atualmente: no ano passado, por exemplo, em resposta à Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), tanto a Alliance of Automobile Manufacturers como a associação comercial American Petroleum Institute falavam em "incerteza significativa" no que toca ao efeito nocivo de partículas poluentes.
“A resposta dos interesses dos combustíveis fósseis tem sido idêntica: primeiro eles sabem, depois fazem um esquema, depois negam, e depois atrasam”, diz Geoffrey Supran, um investigador na Universidade de Harvard que se especializou na história das empresas petrolíferas e na sua relação com o aquecimento global. “A indústria dos combustíveis fósseis semeou a incerteza [científica] para manter o seu negócio intacto, e provavelmente colaboraram com outros grupos, como a indústria do tabaco”, apontou ao jornal "The Guardian" Carroll Muffett, diretora-executiva do Center for International Environmental Law, que sublinha a existência de um “padrão” na forma de atuar das empresas ao longo dos anos. No mês passado, cientistas norte-americanos e britânicos calcularam que uma em cada cinco mortes em todo o mundo é causada por partículas poluentes na atmosfera.
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