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“Acabou-se o amor e as versões alteraram-se”: dia 1 do julgamento do homicídio e da profanação do corpo de Diogo Gonçalves

Na primeira sessão em tribunal, Mariana Fonseca quis falar para atribuir à ex-namorada Maria Malveiro Davidachwili a responsabilidade pelo crime. “Se ela dissesse ‘atira-te a um poço que é seguro’, eu atirava-me. Vivia numa bolha cor de rosa”

“Acabou-se o amor e as versões alteraram-se.” João Grade, advogado de defesa de Mariana Fonseca, resumiu desta forma as declarações da jovem de 24 anos no final da primeira sessão do julgamento do homicídio e da profanação do corpo de Diogo Gonçalves, que esta quarta-feira, começou no Tribunal de Portimão. Quando foi detida pela PJ em abril do ano passado, Mariana admitira o crime juntamente com a então namorada Maria Malveiro Davidachwili, 21 anos, detida na mesma altura. Agora, na sala de audiências, quando a relação entre as duas já terminou, Mariana apontou toda a responsabilidade pelo crime a Maria. “Se ela dissesse ‘atira-te a um poço que é seguro’, eu atirava-me. Vivia numa bolha cor de rosa”, explicou para justificar a cumplicidade e o silêncio sobre o crime.

“Quero pedir perdão pelos meus atos. Se pudesse voltar atrás fazia muitas coisas diferentes. Quero dizer que não sou culpada na morte”, começou por afirmar Mariana, que ao contrário de Maria decidiu falar perante o coletivo, presidido pela juíza Antonieta Nascimento. A rapariga desmentiu a existência de um plano traçado pelas duas jovens para se apoderarem dos 70 mil euros que Diogo tinha recebido como indemnização pela morte da mãe, atropelada em 2016 na Guia, Albufeira. E garantiu que só soube que iam a casa do rapaz no próprio dia do crime, “quando a Mariana dirigiu o carro para lá”.

O homicídio aconteceu a 20 de março do ano passado, na residência de Diogo, em Algoz, concelho de Silves. Era uma sexta-feira: com Portugal a passar por um primeiro confinamento, o rapaz, de 21 anos, informático num empreendimento turístico, estava em casa. Chegaram pelas 14h. Maria, que tinha sido segurança no mesmo empreendimento e mantinha uma relação de proximidade com Diogo, foi a primeira a entrar. Mariana ficou no carro, à espera.

Na Acusação, o Ministério Público (MP) argumenta que Maria utilizou ampolas de diazepam (medicamento que produz um efeito calmante) arranjadas por Mariana – enfermeira no hospital de Lagos – para atordoar Diogo. E depois prendeu-o a umda cadeira com abraçadeiras nas pernas e nos braços antes de chamar a cúmplice e aplicar ao rapaz um golpe de mata-leão (apertar o pescoço com os braços por trás). Mariana assegura que não forneceu qualquer medicamento a Maria e que, quando entrou na casa, Diogo já estava no chão inanimado e preso à cadeira.

É Mariana que reanima o rapaz, mas, perante a reação violenta deste ao recuperar os sentidos, Maria faz-lhe um novo golpe de mata-leão, desta vez fatal. Mariana conta que nessa altura tinha saído da sala por ordem da namorada. E foi ainda a cumprir ordens que Mariana admite que limpou a casa de forma a não ficarem indícios do crime.

O corpo de Diogo, enrolado num cobertor, foi em seguida colocado (apenas por Maria, segundo Mariana) no porta-bagagens do Mercedes 190 D do rapaz e levado para o Chinicato, perto de Lagos, onde as duas raparigas viviam. “Ela dizia-me para ter calma, que eu não tinha culpa de nada, que ia assumir tudo”, descreveu Mariana ao coletivo de juízes.

Nos dias que se seguiram as duas jovens fizeram vários levantamentos de 400 euros (o máximo permitido) da conta de Diogo - fizeram-no através do multibanco. Compraram cremes numa loja em Portimão. E, por MB Way, transferiram 700 euros para as respetivas contas – 350 para uma, 350 para a outra. Para isso utilizaram um dos dois telemóveis do rapaz (tinha um pessoal e outro do trabalho), que desbloquearam com a impressão digital do dedo indicador de Diogo, que Maria cortou e guardou para esse fim. Também através dos telemóveis responderam (Mariana diz de novo que foi apenas Maria quem o fez) a mensagens que foram chegando por SMS e através do Facebook para que não houvesse suspeitas sobre o paradeiro do rapaz.

Ainda nos dias que se seguiram ao crime, o corpo foi decapitado, desmembrado e as partes colocadas em sacos do lixo (mais uma vez Mariana negou ao tribunal qualquer participação neste processo). Desfizeram-se do torso e de parte dos membros em Sagres, onde abandonaram igualmente o Mercedes 190 D. A cabeça deixaram-na em Tavira, numa zona do interior do concelho. Até que, a 25 de março, cinco dias após o homicídio, as partes do corpo começaram a ser encontradas pelas autoridades – entretanto alertadas por amigos de Diogo para o desaparecimento. Maria e Mariana foram detidas a 2 de abril.

Questionada pela juíza Antonieta Guerreiro sobre o que a motivou, durante esses dias, a não denunciar o caso, Mariana, que é filha de um GNR, respondeu que “não estava a pensar com a razão” e reafirmou que “vivia numa bolha cor de rosa”. João Grade, no final da sessão, em declarações à comuicação social defendeu que “um marido não pode ser obrigado a denunciar a mulher”.

Neste primeiro dia do julgamento foi ouvido ainda um inspetor da PJ, que apontou os levantamentos feitos nos multibancos e as transferências de dinheiro como pistas que conduziram os inspetores até às duas raparigas. E dois amigos de Diogo, que explicaram que o rapaz estava apaixonado por Maria, com quem almoçava ou jantava às vezes, e estava “eufórico” em relação ao encontro que ia ter no dia 20 de março. Um antigo chefe do jovem revelou que, perante a ausência de Diogo e por ter considerado estranhas as mensagens que este lhe enviou (tratava-o por ‘senhor Bruno’ quando isso não era habitual), foi verificar os últimos contactos que tinham sido feitos no telemóvel de trabalho do rapaz e verificou que eram quase todos com Maria.

O julgamento continua esta sexta-feira no Tribunal de Portimão. As duas raparigas enfrentam a pena máxima - 25 anos

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