Sociedade

PGR investiga nove casos de vacinação de pessoas não prioritárias

PGR investiga nove casos de vacinação de pessoas não prioritárias
CHENEY ORR/REUTERS

Casos na Segurança Social de Setúbal ou no INEM vão ser alvo de um inquérito judicial

O Ministério Público já decidiu pela instauração de inquéritos relativamente a alguns dos casos vindos a público, desde logo os respeitantes à Segurança Social de Setúbal, ao INEM de Lisboa, ao INEM do Porto e a factos também noticiados ocorridos em Portimão (Centro de Apoio de Idosos), Vila Nova de Famalicão, Arcos de Valdevez, Bragança, Seixal e Montijo. Esta informação foi dada ao Expresso pela Procuradoria-Geral da República.

No último domingo, o conselho diretivo do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) "aceitou o pedido" do diretor regional no Norte, António Barbosa, que colocou o lugar à disposição após autorizar a vacinação contra a covid-19 de profissionais de uma pastelaria no Porto. O diretor regional do INEM no Norte assumiu no sábado que tinha autorizado a vacinação de 11 funcionários de uma pastelaria próxima, tendo rejeitado que se tratasse de favorecimento, mas sim para evitar o desperdício das doses de vacina. Segundo a sua versão, havia mais 11 vacinas preparadas para o pessoal do INEM do que o que se veio a verificar ser necessário e a alternativa ao que determinou seria o desperdício.

Na quinta-feira, a Associação Nacional de Emergência e Proteção Civil denunciou a vacinação profissionais não prioritários no Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). Em comunicado, o INEM negou ter pedido às autoridades de saúde mais doses da vacina do que aquelas que eram necessárias para vacinar os funcionários prioritários. Depois das acusações de ter dado a vacina a funcionários não prioritários, o INEM garante que nesses casos foram usadas apenas sobras.

Nesse dia, foi noticiada pela SIC a vacinação de 126 funcionários do Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal contra a covid-1. Como consequência, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ordenou um inquérito com carácter de urgência. A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo confirmou à agência Lusa a vacinação de 126 pessoas da Segurança Social de Setúbal, que integravam a lista com a diretora, Natividade Coelho, militante do PS, bem como diretores de unidade e de núcleo, mas não assumiu a responsabilidade pela inclusão de dirigentes e funcionários daquela instituição pública que foram vacinados antes de muitos profissionais de saúde, bombeiros e utentes de lares. Na sexta-feira, Natividade Coelho apresentou o seu pedido de demissão.

Esta segunda-feira, o Expresso noticiou que José Manuel Braço Forte, Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Montijo, mandou vacinar a mulher, que não era prioritária. A desculpa dada por Braço Forte ao Expresso foi a seguinte: a mulher tem 70 anos e "é voluntária" na Unidade de Cuidados Continuados de São Rafael (gerida pela SCMM). "Está tudo justificado", disse ainda, recusando-se a prestar esclarecimentos adicionais.

João Afonso, presidente da Assembleia-Geral da SCMM, refuta o argumento: Maria Fernanda Braço Forte "não é voluntária há, pelo menos, um ano". Além disso, lembrou ao Expresso que “o senhor provedor não comunicou a ninguém" a composição da lista, e que "os trabalhadores expressaram a sua perplexidade" face à decisão de Braço Forte. "Disse-lhe que teria de refletir sobre a sua posição na Santa Casa. Não aceitei a justificação do provedor porque aquilo que ele me transmitiu não corresponde aos factos que eu conheço. Enquanto representante da instituição, já lhe manifestei o caminho que acho que ele deve seguir”, acrescentou o também vereador do PSD, abrindo a porta à demissão de Braço Forte.

A este caso junta-se o que aconteceu no Hospital Narciso Ferreira, em Vila Nova de Famalicão: Salazar Coimbra, administrador e director clínico do hospital, furou as regras do plano e recebeu uma dose da vacina, assim como a sua filha, médica noutra instituição, e a mulher, que não tem uma profissão conhecida mas surgiu na lista como médica na linha da frente contra a covid-19. Estes factos ocorreram nos dias 14 e 15 de janeiro.

Em comunicado, o Narciso Ferreira dá as seguintes justificações: a mulher de Salazar Coimbra, apesar de não trabalhar há um ano, “ofereceu-se para reforçar e participar no auxílio a doentes covid” no próprio hospital. No entanto, só vai começar essa “colaboração” depois de estar vacinada. O mesmo argumento é usado para justificar a inclusão da filha de Salazar Coimbra na lista: a médica “disponibilizou-se de forma altruísta para reforçar a unidade de doentes covid”, trabalho que vai começar depois de estar protegida.

O Expresso contactou a direção do Narciso Ferreira para obter esclarecimentos adicionais - nomeadamente, para saber se a mulher e a filha do diretor clínico têm trabalhado no serviço covid do hospital nos últimos meses, ou se esta colaboração só vai começar agora, e se sim, se há uma razão específica para o timing escolhido. No entanto, o hospital remeteu para o comunicado, esclarecendo que não vai prestar mais declarações.

Já o Centro de Apoio a Idosos de Portimão vacinou membros dos órgãos sociais que não contactam diretamente com os utentes. Uma das pessoas vacinadas foi, apurou o jornal "Sul Informação", Ana Fazenda, secretária da Assembleia Geral do Centro de Apoio a Idosos, que também já exerceu funções como vereadora do PS na Câmara de Portimão.

De acordo com a revista "Visão", Elisabete Adrião, presidente das Mulheres Socialistas do Seixal, fez a primeira toma da vacina da BioNTech/Pfizer um dia após assumir o cargo de dirigente do Núcleo de Inserção Local (NLI) de Sesimbra. A vereadora da Câmara do Seixal, que é também técnica de ação social, foi a única a aceder à imunização no conjunto dos funcionários do NLI, a 21 de janeiro. O acesso à vacina acabou por ser publicitado pela mesma no seu perfil do Facebook. E mais tarde o post foi apagado perante a chuva de críticas.

Também Francisco Araújo, presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez, foi vacinado contra a covid-19 sem estar incluído no primeiro grupo prioritário do plano nacional de vacinação, revelou o "Observador". O autarca é também provedor da Santa Casa de Arcos de Valdevez e terá recebido a vacina porque terão “sobraram” algumas, de acordo com o próprio Francisco Araújo. “Estava no meu gabinete e a enfermeira responsável telefonou-me a perguntar se queria ser vacinado porque havia sobras”, comentou o autarca.

Este domingo, Francisco Ramos, o coordenador da taskforce portuguesa para a vacinação covid afirmou que estes casos eram “lamentáveis”, mas “este é um sistema que está montado para vacinar as pessoas, não para procurar os batoteiros”. Por isso, à SIC Notícias, Francisco Ramos disse que a estrutura solicitou à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) que “fizesse auditorias sobre o cumprimento destes critérios”.

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