Hotéis não querem ser fechados por decreto e "pôr os turistas na rua, como sem-abrigo". Restaurantes dizem que o take away não os vai salvar
D.R.
Perspetiva de novo confinamento apanha turismo já em fase baixa, mas há hotéis que têm hóspedes de longa duração. Restaurantes apelam a novo quadro de apoios, e nem conseguiram ainda beneficiar dos que já foram anunciados. "Na primeira fase ainda havia poupanças a que recorrer, agora esgotaram-se", alerta a AHRESP
Para o turismo, é quase certo que irá haver novo confinamento em Portugal a partir do final da semana, pelos sinais que o Governo tem dado. É esperado que as restrições sejam duras, devido ao disparar de casos de covid-19, mas o sector desconhece como serão as restrições no detalhe, que apanham o período de inverno e de estação baixa, em que a atividade já está reduzida ao mínimo, sobretudo num ano de pandemia ativa.
"Em boa verdade, estamos confinados há quase um ano, desde março do ano passado. Se há sector que praticamente entrou em confinamento com a pandemia, foi o turismo", faz notar Elidérico Viegas, presidente da Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA).
A perspetiva em si do país voltar a entrar em confinamento não faz mossa especial aos hotéis, numa altura em que, na sua maioria, já se encontram encerrados. "Estamos em plena estação baixa, janeiro é o mês mais fraco do turismo do Algarve. No momento que estamos a atravessar, temos de reconhecer que o impacto de um novo confinamento é residual", refere Elidérico Viegas.
"Fala-se em 15 dias de confinamento, e não vejo que venha a causar grandes prejuizos, os poucos hotéis que estão abertos têm ocupações meramente residuais - embora haja sempre algumas receitas que ficam por fazer. Dentro da negatividade que já vivemos, acabará por ter consequências negativas a nível de reservas e marcações", salienta o presidente da AHETA, referindo que os poucos hotéis abertos no Algarve deverão manter-se em atividade, apesar do confinamento. "Não é por esse motivo que os hotéis decidirão encerrar", antecipa.
O responsável da associação hoteleira frisa que "só temos ainda uma ideia, não sabemos como vai ser na prática". António Costa já adiantou que o novo confinamento será muito semelhante ao primeiro que ocorreu em março, e falou de fechar o comércio não essencial.
Significa que se poderá decretar o fecho dos hotéis? É algo que não ocorreu em março - os hotéis fecharam por decisão voluntária e falta de clientes, podendo manter-se abertos, se o quisessem - mas o novo confinamento, face ao aumento a pique do número de infetados e de mortos no país, perfila-se como sendo duro.
Hotéis, com ocupação muito baixa, não esperam que até março a situação melhore
Forçar os hotéis ao encerramento é uma alternativa que é rejeitada pela associação. "Há hotéis que têm pessoas lá dentro, e não as podemos pôr na rua. Temos alguns aldeamentos no Algarve com os hóspedes em estadas longas, e não vamos simplesmente mandá-los embora e tornar estes turistas em pessoas sem-abrigo, não tem cabimento", frisa Elidérico Viegas.
"Penso que o encerramento total dos hotéis não irá acontecer, como não aconteceu no confinamento em março. Os hotéis poderão estar em funcionamento, e prestar lá dentro todos os serviços como refeições, desde que exclusivamente para hóspedes", adianta Elidérico Viegas.
O grupo Pestana, 'número um' em Portugal a nível de hotelaria, tem de momento quase todos os hotéis encerrados, mantendo abertos apenas um em cada região do país, além de duas Pousadas (Serra da Estrela e Estói, no Algarve). O grupo não comenta os impactos que poderá ter um novo confinamento, até por não saber que medidas serão tomadas, mas segundo fonte oficial a operação nesta altura está limitada e até março não se prevê que a situação melhore.
A Vila Galé tem de momento apenas seis hotéis a funcionar – em Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Vilamoura e Madeira – e segundo Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do grupo, "a procura tem sido muito baixa, dadas as limitações na circulação e a inexistência de turistas estrangeiros".
Nesta fase, a Vila Galé prevê manter os hotéis abertos, mas como frisa Gonçalo Rebelo de Almeida "tudo dependerá das indicações que surgirem nos próximos dias" e do que o Governo decretar para o novo confinamento. "Se houver essa possibilidade, manteremos a funcionar o serviço de take away nestes hotéis e também a nossa loja online”, adianta o administrador do grupo.
Restaurantes continuam sem apoios "e não podem estar mais 15 dias de porta fechada a faturar zero", frisa a AHRESP
Para os restaurantes, a perspetiva do confinamento é mais negra. "Vemos isto com grandes preocupações. Se vamos confinar de novo, significa colocar um sector já muito fragilizado numa situação ainda pior", salienta Ana Jacinto, secretária-geral da Associação de Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).
A perspetiva para os restaurantes é ficarem reduzidos a take away e entrega de refeições ao domicílio
Yumen G/Unsplash
"É urgente pôr cá fora os apoios anunciados pelo Governo a 10 de dezembro, que são muito importantes, mas ainda não saíram do papel", enfatiza Ana Jacinto, lembrando que os restaurantes não conseguiram até ao momento aceder aos programas de apoio às rendas ou para manter postos de trabalho, por não terem sido ainda regulamentados.
"Com mais este confinamento, a situação torna-se tão crítica ao ponto de ser gritante, e carece de um novo quadro de apoios ao sector", sublinha a responsável da AHRESP. "Se numa primeira fase as pessoas ainda tinham algumas poupanças a que recorrer, estas agora já se esgotaram".
A previsão de fechar o comércio não essencial implicará, em princípio, reduzir os restaurantes a vendas em take away ou por encomenda - algo para o qual nem todos estão preparados. "São modalidades a que os estabelecimentos recorreram para irem vendendo alguma coisa. Mas nas entregas as plataformas levam comissões exorbitantes. E não sabemos qual será a amplitude do confinamento, se haverá mais gente em teletrabalho, o que também tornará o take away residual", explicita Ana Jacinto.
"Não é possível os restaurantes estarem mais 15 dias com portas fechadas a faturar zero ou próximo disso. E não é o take away que vai salvar a faturação das empresas", sublinha ainda. "Não sabemos que regras vão vigorar, o que sabemos é que está tudo a ser tudo cada vez mais difícil para o sector".
Atendendo à probabilidade elevada de vir um novo confinamento, a AHRESP defende que devem ser permitidas aos restaurantes, no mínimo, as modalidades de take away, delivery (entrega ao domicílio) e também de 'drive-thru', em que os clientes "sem mantêm nas viaturas, sem possibilidade de ajuntamento, e logo reduzindo qualquer risco de contágio. A associação alerta as empresas a mudarem rapidamente a sua operação para acomodarem estas modalidades, e defende que os estabelecimentos devem poder determinar aos trabalhadores, com o seu consentimento, a fazerem atividades de entrega ou venda de refeições para fora, "ainda que as mesmas não integrem o objeto dos respetivos contratos de trabalho".
Face à 'sangria' que o surto de covid-19 já trouxe à restauração e ao fecho de estabelecimentos, Ana Jacinto reitera que "urge que os apoios que foram anunciados sejam regulamentados, para permitir às empresas sobreviverem a mais este desconfinamento estrangulador". Frisa ainda que as ajudas financeiras terão de vir "de forma descomplicada e ágil, pois o que tem acontecido em muitos apoios é que são tão complexos que não chegam à maioria das empresas e segregam muitas das micro-empresas deste sector".
A secretária-geral da AHRESP reconhece que "a subida galopante dos números da pandemia é um problema que nos preocupa a todos e queremos ver resolvido, percebemos que sejam tomadas medidas". Destaca ainda não ter "informação técnica para avaliar as medidas do Governo e perceber se são ou não adequadas" e frisa não estar comprovado que restringir a atividade da restauração terá um efeito direto na diminuição do número de casos.
A tónica de momento, para a AHRESP, é que os apoios cheguem rápido aos restaurantes e cafés. "Não sabemos que regras vão vigorar no novo confinamento, o que vemos é tudo a ficar cada vez mais difícil para este sector", conclui Ana Jacinto.