Exclusivo

Sociedade

Morte no aeroporto. “Chegámos a um ponto em que uma série de casos isolados fazem com que seja um padrão”

Morte no aeroporto. “Chegámos a um ponto em que uma série de casos isolados fazem com que seja um padrão”
José Fernandes

Direito a uma casa digna e à não discriminação: estes são os Direitos Humanos mais vezes desrespeitados em Portugal, segundo a Amnistia Internacional. No final de um ano “excecional” que provou “a fragilidade da sociedade” e em que “quem estava mal ficou ainda pior”, Pedro A. Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, faz o balanço. Em entrevista ao Expresso, diz que há nas forças de segurança um comportamento padronizado de abusos praticados por uma minoria de profissionais: “O caso da morte no aeroporto tem responsabilidades criminais, morais, éticas e políticas. Tem de ser feita Justiça”. Esta quinta-feira assinala-se o Dia dos Direitos Humanos

O direito à habitação tem sido uma das prioridades da Amnistia Internacional em Portugal - e já vamos a este assunto. Que outros direitos humanos são ainda violados em Portugal?
O direito à habitação é, sem dúvida, um dos que tem maior escala. No entanto, a par com o direito à habitação, há outros. Em Portugal, a questão da discriminação é muito presente e isso vê-se em episódios mais mediáticos de violência policial. Depois há a discriminação que é mais silênciosa, que só dá por ela quem a sente. E falo de discriminação nos vários niveis - de género, racial, étnica. A situação é bastante grave em Portugal e tem ramificações em tudo, desde educação à entrada no mercado de trabalho e ao arrendamento, por exemplo. Em tudo.

A nível mundial, a morte do norte-americano George Floyd enquanto estava sob guarda policial foi um dos casos mais mediáticos deste ano. Isto teve repercussão em vários países e ouviu-se muitas pessoas dizerem que Portugal não é os EUA e, mais recentemente, houve até políticos a negarem a existência de racismo em Portugal.
O que vemos em Portugal é que o discurso está completamente polarizado. Precisamos de deixar estas trincheiras divisivas e ir ao encontro uns dos outros. As mulheres que saem de casa às 05h para apanhar os transportes públicos e irem trabalhar durante a pandemia, que ganham pouco e estão expostas ao vírus, antes não tiveram a educação suficiente, antes ainda não tinham condições de habitação conveniente. Há aqui uma teia de discriminação que vai acontecendo ao longo da vida e que é silenciosa. Muitas vezes nós, do nosso privilégio, não conseguimos perceber o que as pessoas passam e temos de ir ao encontro uns dos outros para percebermos o que é a vida uns dos outros. Claro que depois há casos mediáticos que trazem o assunto para a ordem do dia, muitas vezes relacionados com o uso excessivo da força - facilmente filmados por telemóvel na rua. Temos também o caso do cidadão ucraniano morto no aeroporto de Lisboa. São casos mediáticos que trazem o assunto para a ordem do dia durante algum tempo até serem esquecidos. Isto não é suficiente para construir soluções e para que o racismo acabe. Temos agora mais outro nível de racismo estrutural, que está no Parlamento. Há propostas concretas apresentadas mas que ainda não há força para as conseguirem implementar.

Referiu a facilidade com que atualmente se pode gravar e divulgar um episódio de uso excessivo da força. Concorda com a expressão “o racismo não está a piorar, está a ser filmado”?
Não tenho dados para dizer se há um aumento ou diminuição dos casos de racismo. O que sei é que é mais exposto. O que eu sei é que quando houver ponta de racismo temos um problema para resolver.

Ihor Homenyuk, um cidadão ucraniano, morreu espancado enquanto estava sob custódia do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - SEF. O que revela um caso destes sobre um país e sobre as autoridades?

Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mpgoncalves@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate