“Hoje vendemos seis hambúrgueres. Seis. A média eram 60 até esta hora"
O Jardim da Parada arrumou todas as cadeiras e mesas pouco depois de baterem as 13h
Ana França/Expresso
Nuno Mourão tem três restaurantes e teme perder um deles. Na hamburgueria do Jardim da Parada, em Lisboa, da qual é sócio, por volta do meio dia e meia já não está ninguém. Só mesmo ele é que come um dos hambúrgueres que ali se servem. Hoje foram servidos mais cinco. Do que é que ele medo? "Do medo"
Nuno Mourão senta-se numa mesa da esplanada do Jardim da Parada, da qual é sócio, e pede um hambúrguer. Olha à volta, como se nunca aqui tivesse vindo. Não há ninguém sentado nesta esplanada em que, na maioria dos sábados, quem chegar depois das 11h já não arranja lugar para almoçar. Come a correr porque quer ir à manifestação no Rossio onde estão outros empresários da restauração a pedir mais atenção às perdas do sector. Perguntamos pelas diferenças de vendas entre estes dias com regras mais restritas e os primeiros meses de outono. Chove, o dia está frio, ninguém caminha devagar, toda a gente leva um objetivo na passada. Dois rapazes acabam a cerveja de um gole e despedem-se com os cotovelos, vai um para cada lado.
Por volta do meio dia e meia já não havia quase ninguém na praça principal de Campo de Ourique
Ana França/Expresso
Nuno levanta-se para ir perguntar aos seus empregados quantos hambúrgueres venderam hoje e quando se senta de novo parece que não quer acreditar no que lhe disseram. Tira o gorro, passa as mãos pela cabeça, fecha os olhos e aperta a cana do nariz entre o indicador e o polegar. “Vendemos seis hambúrgueres. Seis. Hoje vendemos seis hambúrgueres. É sábado. Em média, nos sábados de outubro, e até já estávamos com números altos de contágios, até à uma da tarde tínhamos vendido 60.”
As persianas verdes que fecham o quiosque descem até metade das janelas para indicar que já não se pode pedir ali, só através de uma aplicação de entrega de comida ao domicílio. As cadeiras e as mesas são rapidamente empilhadas e é o próprio Nuno que nos pede para ficarmos de pé a falar para que os seus empregados possam fechar tudo o mais rápido possível.
É uma da tarde e até às duas não irá chegar nenhum pedido. “As pessoas vinham almoçar ao fim de semana em família, ficavam pela tarde, juntavam-se amigos, perdemos tudo isso. E perdemos também as reuniões de fim da tarde. Ninguém que saia às sete do trabalho vem beber uma única cerveja a correr, vão para casa, ficam por lá, bebem por lá, convidam um ou dois amigos.” Um amigo ou vários. Nuno conta que ontem, a caminho de casa, passou numa rua “onde parecia o dia da passagem de ano”, com pequenos grupos de pessoas à janela e “música que se ouvia bem”.
Depois das mesas arrumadas, fechou-se a proteção do sol e da chuva que normalmente permite aos clientes comer aqui mesmo que o clima não seja o ideal
Ana França/Expresso
Além da esplanada e restaurante no Jardim da Parada, Nuno Mourão, de 37 anos, tem também o Choco Frito, na Penha de França, e o Rustik, que vende frangos de churrasco, no Rato. O que o angustia é a incerteza, não saber onde pôr o dinheiro. “Não sei quantas semanas mais isto vai ser assim aos fins de semana, creio que mais algumas, por isso não sei se compro uma mota, se contrato um estafeta, quantas caixas para enviar batatas fritas compro. É que durante a semana as pessoas continuam a vir aqui comer, por isso desmontar essa parte da operação e passar quase só para take away é impossível para nós, é muito incerto, ninguém sabe o que fazer.”
A operação no Rustik está totalmente adaptada ao take away, a do Choco Frito um pouco menos. Abriu ambos os restaurantes no início de 2020: se as vendas de frango têm dado para manter o negócio, o investimento na ideia do choco frito pode mesmo vir a cair. “Eu diria que em três meses, se isto continuar assim, corro mesmo o risco de ter de encerrar aquilo, não digo que vá acontecer, mas esse é um risco real, um risco que aqui na Parada não corremos porque é um sítio de passagem, muito enraizado na vida do bairro, já tem oito anos e vê-se que as pessoas voltam sempre quando as medidas se aligeiram um pouco”, diz.
E há mais problemas: as linhas de ajuda não ajudam sempre, nem todos. “Para mim é muito complicado porque as ajudas aos restaurantes são consoante a faturação do último ano e eu não tenho um ano de faturação para apresentar, só abri o Choco no fim de janeiro.” A única ajuda é esta “especial” para os fins de semana que o Governo também já disponibilizou e que Nuno Mourão, se conseguir, vai acionar. No restaurante e esplanada do Jardim da Parada trabalham dez pessoas, todas com horário reduzido. “Eles foram espetaculares, todos concordaram em reduzir um pouco as horas de trabalho para não despedirmos alguém.”
Nuno Mourão não é um dos que estão contra as medidas de travão aos contágios, não se inclui nos negacionistas da gravidade da doença mas teme que isto se torne uma bola de neve (“eu já não mando vir 20 quilos de carne”) para todos os negócios que dependem da restauração.
“As pessoas que ainda estão empregadas não gastam com a mesma liberdade porque nunca sabem se amanhã isto fecha mesmo tudo de uma vez.” É “uma sucessão de medos, medo de sair, medo de perder o trabalho, medo de investir, medo de contagiar alguém, medo que não haja camas para quem mais precisa”. Se tiver de fechar o Choco Frito tem de tentar fazer dinheiro vendendo o que lá está. “Vocês não estão a ver bem o tamanho daquela fritadeira. É enorme, industrial, quem é que me vai comprar uma coisa daquelas?”
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail:afranca@impresa.pt
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