“Os cuidados de saúde primários são o parente pobre do Serviço Nacional de Saúde”
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Projetos Expresso. O presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar denuncia a incoerência entre o discurso político e as medidas aplicadas durante a pandemia. O tema estará no centro do debate “Imunes: da vacinação aos cuidados de saúde”, que junta o Expresso e a MSD e terá transmissão em direto no Facebook do semanário dia 24 de setembro, pelas 18h
Francisco de Almeida Fernandes
A passos largos do final de 2020, não será arriscado dizer que duas das palavras que marcarão o início da segunda década do século serão, certamente, pandemia e covid-19. Os efeitos nefastos do novo coronavírus mobilizaram profissionais de saúde, mas destaparam a sobrecarga que há muito vinha sendo sintoma de um Sistema Nacional de Saúde (SNS) doente. De acordo com dados da Ordem dos Médicos, entre março e maio, realizaram-se menos três milhões de consultas nos cuidados de saúde primários, uma quebra de 57% em comparação com os meses anteriores. “Para darmos resposta à pandemia, tivemos de deixar as nossas funções para passar a cumprir funções administrativas”, diz ao Expresso a médica de família Paula Broeiro.
Apesar de garantir que nos Olivais, onde trabalha na Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (ACES Lisboa Central), “não tem faltado nada, nem papéis de que as pessoas precisam nem referenciações”, a realidade global do país não é esta. Consultas adiadas, canceladas ou realizadas por telefone têm permitido ao SNS fazer uma gestão diária da pressão a que está sujeito, embora com impacto no número de diagnósticos clínicos. A Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar refere que cerca de 15 mil casos de cancro terão ficado por conhecer durante os primeiros três meses de covid. Paula Broeiro reconhece que este período permitiu mostrar que “há várias tarefas que conseguimos fazer por e-mail ou telefone e que não precisam de consulta presencial”, mas sublinha que existem patologias, como o cancro e tantas outras, que não dispensam esse acompanhamento.
Recuperar o tempo perdido
A cura para um sistema doente passa, defende a médica de família, pela tutela deixar de olhar para estes profissionais de primeira linha como “um saco sem fundo” que atende e diagnostica doentes, emite atestados e desempenha funções administrativas. Além de médicos, faltam “enfermeiros, secretários clínicos e assistentes operacionais”, explica. Diogo Urjais, presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar, concorda e realça que as “tarefas repetidas e burocráticas” entregues aos médicos de família “roubam demasiado tempo para aquilo que é realmente importante”. Para o enfermeiro de formação, este é apenas mais um sinal de que “os cuidados de saúde primários são o parente pobre do SNS, independentemente do discurso oficial dizer que são o pilar do SNS”.
Uma das soluções, aponta, passaria pela atribuição de incentivos a estes serviços para que, à semelhança do que está a ser feito nos hospitais, ser possível retomar a normalidade e recuperar o atraso nas consultas. “Não foi esse o entendimento do Ministério da Saúde”, lamenta. A experiência hospitalar de Luís Varandas impede, na sua perspetiva, que o médico pediatra do Hospital Dona Estefânia se pronuncie sobre o que deve ser feito nos cuidados de saúde primários, mas admite que a recuperação de “consultas e cirurgias são um problema complexo”. “O défice de profissionais em algumas especialidades, mesmo com recurso ao trabalho extraordinário, dificilmente permitirá recuperar toda a atividade perdida”, alerta. “Todos nós, médicos, estamos com vontade de voltar a ver doentes e ter consultas presenciais, não sabemos é quando e como”, diz Paula Broeiro.
A importância da vacinação e do acesso aos cuidados de saúde em tempo de pandemia estará no centro do terceiro debate do projeto Imunes, uma parceria entre o Expresso e a MSD. “Imunes: da vacinação aos cuidados de saúde gerais” junta médicos e especialistas numa conversa agendada para 24 de setembro, às 18h, a que poderá assistir através do Facebook do semanário