Frota oceânica de Mário Ferreira não pára de crescer
O terceiro navio de expedição já flutua nos estaleiros da West Sea em Viana do Castelo. Nem mesmo a pandemia da covid-19 impediu o plano de investimento de 110 milhões de euros da Mystic Cruises na construção naval em 2020
A pandemia mudou muita coisa no sector das viagens de cruzeiro e, como em quase todos os sectores, teve efeitos devastadores. Para além da covid-19 ter paralisado o sector em todo o mundo, muitas das novas contruções e encomendas foram canceladas ou adiadas pelas operadoras um pouco por todo o mundo. A Mystic Cruises, de Mário Ferreira, foi uma das poucas companhias que não suspendeu a construção durante esse período.
Para Mário Ferreira, empresário dono da Douro Azul, que faz há muitos anos cruzeiros no rio Douro, o futuro do sector já passava pelos chamados cruzeiros de expedição antes do início da pandemia, devido à menor dimensão dos navios e, consequentemente, menor número de passageiros. “O confinamento a que todos nos vimos forçados nestes meses leva-nos também a ansiar por visitar e conhecer o mundo. Os cruzeiros de expedição possibilitam-nos fazer isso num ambiente seguro e controlado”, afirma o armador, que acredita que este mercado vai crescer bastante nos próximos anos. Por isso mesmo manteve o investimento previsto para este ano, de 110 milhões de euros, para o processo de desenvolvimento de três navios, dois oceânicos, o “World Voyager” e o “World Navigator”, e ainda um para operar no rio Douro.
Este último é o “São Gabriel”, o navio mais luxuoso até agora construído para a Douro Azul. Ficou concluído no início de 2020 e deveria ter começado a operar em abril, mas foi apanhado no meio da pandemia e nem vai ser utilizado este ano. Continuará atracado no cais comercial de Viana do Castelo, ao lado do navio-hospital “Gil Eannes”, que dava apoio à frota bacalhoeira portuguesa.
Não muito longe, no cais do Bugio dos estaleiros da West Sea, está atracado o “World Explorer” o primeiro de sete navios oceânicos - todos eles idênticos - que o empresário está a construir. Mário Ferreira apostou em embarcações com 126 metros de comprimentos e 19 de largura, que permitem visitar locais remotos e atracar no centro das cidades, onde os grandes paquetes de 5 mil passageiros não podem ou não devem entrar. Uma grande vantagem quer do ponto de vista da segurança dos passageiros quer ambiental.
O projeto deste navio de luxo, com capacidade para 200 passageiros e 112 tripulantes, é do arquiteto naval italiano Giuseppe Tringali. Já o layout interior tem o dedo de Mário Ferreira: “adoro a otimização do espaço”. A bordo existe uma pista de jogging, um solário com dois jacuzzi e piscina exterior aquecida, um pequeno ginásio, spa, casino, uma sala com jogos de tabuleiro, auditório para palestras, suítes com varanda, que é na verdade uma continuação do quarto, um espaço contínuo, desde a porta até à beira da água. A sala de observação, no sétimo piso, tem janelas de alto a baixo, com uma vista de 180 graus, uma cúpula em vidro que permite ver as estrelas no Ártico ou a aurora boreal. Uma câmara de alta definição instalada no casco transmite em direto imagens subaquáticas, uma ideia do empresário, que em miúdo queria ser engenheiro civil. Também é de Mário Ferreira o desenho do banco corrido aquecido com um sistema radiante que percorre a proa do navio.
No início de agosto de 2019, o recém-construído “World Explorer”, que teve um custo final superior a €80 milhões, deixou finalmente a margem direita do rio Lima para a sua primeira viagem, até Reiquiavique, na Islândia, passando o resto do verão a navegar pelas águas geladas da Gronelândia e os fiordes da Noruega, numa série de cruzeiros com passageiros alemães, promovidos pela “Nicko Cruises”, filial alemã da “Mystic Cruises”. Em outubro fez escala em Lisboa, ao serviço do operador norte-americano “Quark Expedition”, durante a viagem de reposicionamento até à Antártida, onde se manteve até 18 de março de 2020. A covid-19 obrigou a paralisar o sector em todo o mundo, e o “World Explorer”, já sem passageiros, fez uma viagem direta para o seu porto de abrigo, em Viana do Castelo, onde aproveitou para fazer pequenas reparações.
Os mercados escandinavo e alemão foram os primeiros a fazer mexer o ramo dos cruzeiros e Mário Ferreira ainda tentou no início de agosto reiniciar a atividade do navio no Báltico, para cruzeiros de 12 dias com partida de Hamburgo, na Alemanha. Mesmo com alterações e otimizações ao protocolo de higiene e segurança que foram implementados de forma a dar resposta às novas exigências, não foi possível ter autorizações para o “World Explorer” atracar nos portos do norte da Europa. Para já, vai continuar em Viana.
Além do reforço da higiene e segurança sanitária a bordo — feito ainda “antes de ter sido declarado o estado de pandemia pela OMS, uma vez que o “World Explorer” estava a operar na Antártida quando os primeiros casos começaram a ser reportados na China”, explicou o empresário - entretanto foram adicionadas novas medidas durante o período de paragem forçada.
PRÉ-EMBARQUE - Antes de embarcarem, os passageiros passam por um pórtico onde é feita a leitura da temperatura corporal e onde são desinfetados; as bagagens também são desinfetadas antes de serem colocadas a bordo.
TRIPULAÇÃO - Todos os tripulantes são testados antes de iniciarem uma viagem; no interior existem regras de distanciamento físico e é obrigatório o uso de máscara e de luvas.
QUARTOS - Máscaras cirúrgicas e de pano e frascos de gel desinfetante para as mãos estão disponíveis em todos os quartos; televisores interativos e aplicativos digitais substituem os programas diários impressos; almofadas e colchas são eliminadas, depois das boas-vindas e da abertura da cama; o sistema de ventilação garante 100% de ar fresco.
RESTAURANTES - Os buffets foram suspensos e os layouts dos restaurantes foram redesenhados para oferecer apenas refeições à la carte; as refeições quentes são servidas já empratadas, mantendo apenas para escolha dos passageiros as entradas e sobremesas, devidamente embaladas.
Regras que estão agora em vigor nos cruzeiros da companhia no rio Douro, que entretanto retomaram a atividade.
Ainda no cais do Bugio, mesmo ao lado do “World Explorer” está o segundo navio, o “World Voyager”, também com 9923 toneladas e que fez a sua primeira saída para testes de mar a 13 de agosto.
Este navio, tal como o seu irmão, respeita as novas regras do Código Polar e também as de emissões de CO2 e enxofre, tem sofisticados sistemas de tratamento de lixos, de tratamento de águas residuais, propulsores de jatos de água que fornecem um impulso até cinco nós para todas as direções, de forma a poder fazer manobras nos portos ou evitar o recurso a âncoras, protegendo assim o fundo do mar.
Durante vários dias, todos os sistemas foram testados e levados ao limite. O navio está agora em acabamentos finais no interior onde se podem ver várias peças de mobiliário ainda encaixotadas. O Voyager ainda não tem data marcada para o batismo, e não deverá deixar Viana do Castelo antes do fim do ano.
A 23 de agosto foi a vez de a terceira embarcação oceânica , o “World Navigator”, realizar o “float out”, altura em que foram abertas as válvulas que encheram de água a doca e permitiram que o navio flutuasse pela primeira vez. Este primeiro teste assinalou uma nova fase de construção do paquete, que foi transferido para a bacia de aprestamento, onde vão continuar os trabalhos de montagem e pintura. Deverá começar a operar no verão do próximo ano.
Os cerca de 30 blocos de aço do quarto navio já estão quase todos feitos e prontos para começarem a ser montados na plataforma de construção da West Sea. A partir de setembro as peças vão começar a ser montadas uma a uma, com se fosse um Lego, dando corpo à embarcação. O quinto já está na fase de corte, seguindo-se mais dois. A nível global, a Mystic Cruises é a companhia que neste momento tem mais navios oceânicos em construção.
Estes últimos quatro navios de expedição, com um valor total estimado de 286,7 milhões de euros, serão comercializados exclusivamente pela Atlas Ocean Voyages, marca americana da Mystic Cruises.
OS SONHOS E NEGÓCIOS DO ARMADOR MÁRIO FERREIRA
15 DE JANEIRO DE 1968 Nasceu em Matosinhos no seio de uma família da classe média e passou a infância em Leça da Palmeira, ao lado do Porto de Leixões, onde o pai trabalhava.
A primeira vez que sentiu o desejo de viajar, foi no dia em que chegou a Leixões o barco do livro, uma biblioteca flutuante gigante, que fazia a circum-navegação com jovens de vários países para ajudarem e partilharem conhecimento. O sonho de Mário Ferreira era dar a volta ao mundo naquele barco, com aqueles miúdos.
1982 Com 14 anos vai trabalhar e estudar durante o verão, nos Summer Camps, em Inglaterra. Dois anos mais tarde, toma a decisão de sair de Portugal e ir para Londres. Poucos dias depois começa a trabalhar num restaurante italiano.
Aos 18 anos é contratado para gerir um restaurante, em Chelsea, onde conhece um administrador da Cunard que o convida para trabalhar a bordo dos seus navios. Pronto para circum-navegar o planeta, embarcou em Reiquiavique, na Islândia, no “Vistafjord”, durante cinco anos.
1993 Cria a empresa Ferreira & Rayford iniciando assim a sua atividade marítimo-turística no Douro. Compra o cacilheiro “Castelo” à Transtejo e em homenagem ao barco onde tinha trabalhado durante cinco anos, batiza-o “Vistadouro”.
1996 Face ao êxito e à crescente procura, Mário Ferreira cria uma nova empresa, a Douro Azul e compra uma nova embarcação, a “Princesa do Douro”.
Foi o início de um percurso que deu origem à Mystic Invest, o grupo empresarial de Mário Ferreira, onde se inclui a Douro Azul, empresa de cruzeiros no Douro, atualmente com uma frota de 22 embarcações. Treze navios-hotel próprios, quatro navios-hotel da Viking River Cruises mas com gestão da Douro Azul, três Rabelos Sightseeing e dois iates de luxo.
2014 Mário Ferreira arrematou o ferry “Atlântida” (rejeitado pelo Governo dos Açores) por €8,75 milhões.
A ideia era transformá-lo num cruzeiro de luxo a operar na Amazónia mas mediante as inúmeras e aliciantes propostas acaba por acertar a venda do barco para a Noruega, para a empresa de cruzeiros Hurtigruten. A imprensa avançou na altura que o negócio terá sido feito por €17 milhões mas o valor poderá ter sido bastante superior
2015 Um dos negócios de que o empresário mais se orgulha é a aquisição da Nicko Cruises, uma empresa alemã quatro vezes maior do que a Douro Azul.
Com uma frota de 29 navios-hotel a operar pelos principais rios, como o Danúbio, Reno, Elba, Nilo, Yangtzé e Mekong, na China, a empresa deu um salto na estratégia de internacionalização da Douro Azul. Além das embarcações, ficou também com uma carteira de 9 mil operadores a vender as suas passagens e uma base de dados de 600 mil clientes.
2019 Abriu uma delegação em Fort Lauderdale, Miami, com a marca Atlas Ocean Voyages, uma sucursal da Mystic Cruises, que consolida as suas vendas em Portugal.
Em maio, Mário Ferreira fez o negócio da sua vida ao vender 40% da Mystic Invest holding ao fundo americano Certares, o maior distribuidor de viagens nos EUA por €250 milhões.
2020 Em julho, o "Jornal Económico" noticiou que a Mystic Invest em parceria com os sócios norte-americanos Certares, está a estudar seis empresas de cruzeiros no mercado americano com vista a aquisição de uma. “Estão neste momento seis empresas de mega-cruzeiros dos EUA à venda e nós estamos a olhar para uma delas, que é muito maior que a nossa. Estamos a falar de navios abaixo de 600 passageiros”, disse Mário Ferreira. Estava a falar de empresas que pertencem à Carnival Corporation e Royal Caribbean Group sem querer especificar quais.
Carnival Corporation: AIDA, Carnival, Costa, Cunard, Holland America Line, P&O Australia, P&O, Princess e Seabourn
Royal Caribbean Group: Azamara, Celebrity, Pullmantur (em insolvência), Royal Caribbean, Silversea e TUI
De todas as companhias pertencentes aos dois grupos, a Seabourn Cruise Line e Silversea Cruises, são as companhias que têm o perfil que Mário Ferreira referiu, problemas financeiros e capacidade abaixo de 600 passageiros.
NÚMERO DE NAVIOS OCEÂNICOS NAS COMPANHIAS MEMBRO DA CLIA
São 34 as empresas da Associação Internacional de Companhias de Cruzeiros que operam com navios oceânicos. Neste momento, a frota totaliza 266 barcos, já contando com os que estão prontos a estrear. Têm capacidade para transportar 610.929 passageiros e 237.660 membros de tripulação, segundo dados recolhidos nos sites das próprias empresas ou nos estaleiros onde foram construídos. Existem ainda 26 navios atualmente em construção. Alguns estão quase prontos para entrega, mas a maior parte sofreu atrasos significativos devido à pandemia. Muitas das novas encomendas foram canceladas ou adiadas. A Mystic Cruises é a companhia que neste momento tem mais navios oceânicos em construção.