Procurador que foi a pedra no sapato de Sócrates deixa a magistratura

Amadeu Guerra, ex-diretor do DCIAP, jubila-se. Entra para a história como um dos rostos do combate à corrupção em Portugal
Amadeu Guerra, ex-diretor do DCIAP, jubila-se. Entra para a história como um dos rostos do combate à corrupção em Portugal
Jornalista
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Durante seis anos, Amadeu Guerra esteve na frente da guerra contra a corrupção. Dirigia o DCIAP, o departamento do Ministério Público que investiga os crimes mais complexos em Portugal, no auge da Operação Marquês - que tem como principal arguido o ex-primeiro-ministro José Sócrates -, da Operação Fizz - que levou à condenação do procurador Orlando Figueira - ou do caso Vistos Gold, que culminou com a absolvição do ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo.
Foi o ponto alto da carreira de um magistrado que viveu sempre num confortável semi-anonimato até ter aceitado a nomeação da então procuradora-geral (PGR) Joana Marques Vidal para dirigir o departamento mais quente do Ministério Público. Depois de cumprir um mandato de seis anos, Amadeu Guerra foi nomeado procurador-geral regional de Lisboa em janeiro de 2019, cargo que abandona agora. De acordo com um despacho publicado esta terça-feira, no Diário da República, Amadeu Guerra apresentou "desligamento do serviço por motivo de aposentação/jubilação do procurador-geral Regional de Lisboa".
Amadeu Guerra já estava de baixa há alguns meses e tem sido substituído por Orlando Romano. A PGR, Lucília Gago, terá agora de indicar um nome para o substituir definitivamente.
Beirão, filho de um militar da GNR, foi elogiado por vários sectores do Ministério Público por ter dado cobertura total à equipa que investigou José Sócrates, mesmo quando os prazos começaram a derrapar. Por exemplo: não aceitou a sugestão de Joana Marques Vidal, que levantou a hipótese de tirar o caso das mãos de Rosário Teixeira. Amadeu Guerra ficou ao lado do seu procurador e o caso está agora na fase de instrução, depois de Sócrates ter sido acusado de vários crimes, incluindo corrupção. No rol de acusados figuram nomes como Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro, Armando Vara e Zeinal Bava.
Segundo a Procuradoria-Geral da República, "Amadeu Guerra entrou para a Magistratura do Ministério Público há 40 anos e, desempenhou funções em diversos tribunais, como o Tribunal de Trabalho de Lisboa e o 3.º Juízo Criminal de Lisboa [que na altura funcionava na Boa-Hora], onde permaneceu durante três anos."
Entre 1994 e março de 2006, foi vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), integrando também, a partir de 2001, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).
Em outubro de 2000 foi notícia a queixa-crime que, em conjunto com o então juiz desembargador, Varges Gomes, apresentou contra o presidente da CNPD por acesso indevido a dados pessoais e violação de sigilo profissional. Segundo os magistrados, João Labescat teria enviado para a PSP moradas incluídas na base de dados do recenseamento eleitoral.
Em novembro de 2000 voltou a ser notícia uma nova denúncia da dupla Amadeu Guerra/Mário Varges Gomes contra João Labescat. Desta feita, estava em causa uma alegada violação da privacidade no site do Ministério da Justiça por divulgar nomes de menores vítimas do crime de violação em sentenças e acórdãos. Segundo os magistrados, o à época presidente da CNPD conhecia a situação há vários meses.
Amadeu Guerra acabaria por demitir-se em março de 2006 da CNPD depois de descobrir e denunciar o controlo das chamadas telefónicas no seu próprio local de trabalho, durante 15 dias, entre 27 de janeiro e 5 de fevereiro de 2005. Em junho de 2020, chegou ao fim da carreira no Ministério Público.
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