Cerca de uma dezena de seguranças privados entraram às 05h00 de segunda-feira no centro de apoio para carenciados Seara, em Arroios, Lisboa, para tentar despejar as pessoas que ali se encontravam, porque o espaço foi ocupado ilegalmente. A PSP informou mais tarde que, “após uma demorada negociação, os ocupantes acabaram por abandonar voluntariamente os imóveis e de seguida restituída a posse ao seu legítimo proprietário”. Agora, os partidos querem saber o que se passou.
O vereador do PSD João Pedro Costa na Câmara de Lisboa exigiu esta terça-feira esclarecimentos ao presidente da autarquia sobre o centro de apoio a pessoas carenciadas instalado ilegalmente nesse edifício na freguesia de Arroios. “A CML [Câmara Municipal de Lisboa] tem um processo de licenciamento pendente, é informada da ocupação ilegal desse imóvel, não faz nada, e o seu vereador com o pelouro toma posição contra o despejo dos ocupas. Gostava de ver Fernando Medina a condenar a ocupação ilegal de propriedade privada em Lisboa. O seu silêncio é ensurdecedor”, afirma o social-democrata, numa declaração enviada à Lusa.
Tendo em conta que os voluntários do grupo Seara - Centro de Apoio Mútuo de Santa Bárbara afirmam ter enviado ‘e-mails’ à autarquia a dar conta de que iriam ocupar o espaço “e que nunca obtiveram resposta”, João Pedro Costa quer saber o que fez o município e em que data deu entrada o projeto de licenciamento do imóvel na câmara. O eleito pergunta também se o presidente da câmara, Fernando Medina (PS), concorda com a posição assumida na segunda-feira pelo vereador Manuel Grilo, do BE - partido que tem um acordo de governação do concelho com os socialistas - ou se, por outro lado, “denuncia esta forma de atuação”.
“A ação dos proprietários roça a ilegalidade e a polícia não pode ser conivente com milícias privadas. Só vamos vencer esta crise social da covid-19 com apoio mútuo e quem se mobilizou para apoiar quem mais precisa não pode ser ameaçado desta maneira”, escreveu Manuel Grilo, na rede social Facebook
Num texto que publicou na sua página de Facebook, o vereador Manuel Grilo disse que a “Câmara [de Lisboa], nomeadamente os pelouros com responsabilidade no licenciamento urbanístico, não respondeu aos seus e-mails e os proprietários só responderam agora, com uma milícia armada e com um empreiteiro para emparedar o prédio que nunca quiseram recuperar”. E acrescentou: “A ação dos proprietários roça a ilegalidade e a polícia não pode ser conivente com milícias privadas. Só vamos vencer esta crise social da covid-19 com apoio mútuo e quem se mobilizou para apoiar quem mais precisa não pode ser ameaçado desta maneira.”
PS acusa Manuel Grilo de "fugir às suas responsabilidades"
A bancada do PS na Assembleia Municipal de Lisboa vai pedir esclarecimentos ao vereador Manuel Grilo sobre o centro. “Temos dúvidas sobre a situação, nomeadamente como é que é possível haver uma resposta aos sem-abrigo em Lisboa a funcionar nestas condições. Tendo em conta que o senhor vereador Manuel Grilo é o vereador responsável no executivo por esta área e depois vermos o Bloco de Esquerda a dizer que não conhece esta situação”, disse.
Manuel Lage salientou também que a bancada do PS quer “saber como é que é possível o vereador do Bloco de Esquerda deixar acontecer falhas de resposta quando se tem vangloriado na qualidade do seu trabalho e quando a câmara tem aprovado tantos recursos para os sem-abrigo”.
E continuou: “Saber também como é que é possível que continue [Manuel Grilo] a fugir às suas responsabilidades enquanto membro do executivo e como é possível fazer dois em um: aparecer ao lado da associação, dos ocupantes, sem nunca ter prestado nenhum tipo de resposta ou apoio nesta situação em concreto”, sublinhou.
No entendimento do líder da bancada do PS na Assembleia Municipal de Lisboa, as pessoas da cidade têm de perceber o que se está a passar. “Para nós, o essencial é haver um esclarecimento e nós, enquanto deputados municipais, temos o dever de fiscalizar a ação do executivo municipal. É esse o nosso objetivo”, disse.
"Inaceitável e inadmissível"
Os vereadores o CDS-PP na Câmara de Lisboa acusaram esta terça-feira o vereador dos Direitos Sociais, Manuel Grilo, de defender a ocupação ilegal de um edifício para apoiar carenciados, classificando a sua posição como "inaceitável e inadmissível".
O vereador do CDS-PP João Gonçalves Pereira, citado num comunicado enviado às redações, considera que o vereador do BE - partido que tem um acordo de governação do concelho com o PS - "não só veio defender uma ocupação selvagem de um edifício privado, quando deveria ter disponibilizado de imediato um espaço entre os vários pertencentes à autarquia, como tomou partido contra a própria Câmara Municipal de Lisboa, ao defender publicamente uma ocupação ilegal em condições perigosas para todos os intervenientes".
Na mesma nota, o CDS-PP recorda uma publicação feita na rede social Facebook, na qual Manuel Grilo diz que "as pessoas que montaram este grupo de apoio a pessoas sem-abrigo abriram este centro há semanas num prédio devoluto e num infantário fechado há anos", acrescentando que "a câmara não respondeu aos seus e-mails e os proprietários só responderam agora".
"O vereador Manuel Grilo critica a CML numa área em que o próprio tem o pelouro e em que o próprio assume não ter respondido aos intervenientes. Só podemos interpretar isto de duas maneiras: ou como autocrítica, ou como um caso de dupla personalidade", defende João Gonçalves Pereira.
Para os centristas, "o que está em causa não é, obviamente, a necessidade de prestar apoio aos sem-abrigo e a outros grupos de risco na cidade, mas sim a clarificação entre o que é o respeito pela legalidade e pelo direito de propriedade, mais ainda quando um vereador com deveres executivos adota publicamente uma atitude à margem desses mesmos deveres e da legalidade".