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SOS Racismo pede suspensão imediata de polícia acusado de agredir mulher

SOS Racismo pede suspensão imediata de polícia acusado de agredir mulher

A associação condena “uso desproporcional da força contra cidadãos racializados indefesos” e a “impunidade que tem permitido a perpetuação do abuso de força e uso de violência por partes de elementos das forças de segurança”. Caso ocorreu no domingo passado, na Amadora. Mulher diz ter sido violentamente agredida por um agente da PSP, incluindo dentro do carro da polícia

SOS Racismo pede suspensão imediata de polícia acusado de agredir mulher

Helena Bento

Jornalista

A SOS Racismo pediu esta terça-feira a “suspensão imediata” do agente da polícia sobre o qual recai uma queixa de agressões. Em comunicado enviado às redações, também condenou “uso desproporcional da força contra cidadãos racializados indefesos” e a “impunidade que tem permitido a perpetuação do abuso de força e uso de violência por partes de elementos das forças de segurança contra pessoas racializadas”.

O incidente ocorreu na noite de 19 de janeiro, na Amadora. Ao jornal “Contacto”, semanário luxemburguês de língua portuguesa, Cláudia Simões, angolana de 42 anos, contou ter sido violentada por um agente da polícia à chegada à paragem de autocarros no Bairro do Bosque, naquela cidade. A sua filha havia-se esquecido do passe de autocarro em casa e o motorista terá feito queixa a um polícia que estava por perto. Segundo Cláudia Simões, este ter-lhe-á pedido o cartão de identificação e, não obtendo uma reação à sua exigência, tê-la-á agredido, inclusive “apertando o pescoço”. Para se libertar, Cláudia Simões assumiu ter “mordido a mão do polícia”, tendo este, além disso, “empurrado” a sua filha.

Em comunicado, a PSP desmente a maioria das alegações, esclarecendo que um agente da polícia “que se encontrava devidamente uniformizado a circular na via pública [segundo Cláudia Simões, o polícia saía de um estabelecimento comercial quando foi abordado pelo motorista do autocarro e não estaria de serviço]". Segundo a PSP, por volta das 20h30, o agente terá sido abordado pelo motorista de autocarro de transporte público que solicitou auxílio face à recusa da cidadã em pagar o bilhete do transporte da sua filha, mas também pelo facto de ter sido "ameaçado e injuriado”. Depois de perceber o que se passava, o agente da PSP “dirigiu-se à cidadã” que, “de imediato e sem que nada o fizesse prever, se mostrou "agressiva perante a iniciativa do polícia em tentar dialogar, tendo por diversas vezes empurrado o Polícia com violência, motivo pelo qual lhe foi dada voz de detenção”. A partir daí, refere o comunicado, outros cidadãos que se encontravam do autocarro “tentaram impedir a ação policial, pontapeando e empurrando o polícia”. Este, encontrando-se “sozinho”, e “para fazer cessar as agressões da cidadã detida, procedeu à algemagem da mesma, utilizando a força estritamente necessária para o efeito face à sua resistência”. De acordo com a PSP, e depois do ocorrido, o referido polícia terá sido levado para o hospital “com a mão e o braço direitos com marcas de mordidelas”. Esta terça-feira foi anunciada a abertura de um inquérito às alegadas agressões.

“Enquanto a agredia, o agente não parou de proferir insultos racistas contra ela”, diz SOS Racismo

Em comunicado enviado às redações, a SOS Racismo diz ter recebido também esta terça-feira uma denúncia de “violência policial” contra Cláudia Simões. A vítima, refere o comunicado, “ficou em estado grave, resultado das agressões que sofreu na paragem de autocarros e dentro da viatura da PSP em direção à esquadra de Casal de São Brás. A associação diz ter conversado com a mulher e que esta terá “confirmado toda a cronologia da bárbara agressão de que foi vítima em frente à sua filha menor de 8 anos”. “A vítima relatou ainda, que enquanto a agredia, o agente não parou de proferir insultos racistas contra ela”, diz a SOS Racismo, lembrando que esta “agressão policial acontece no concelho de Amadora, onde 76% das queixas contra agentes de polícia por agressão a cidadãos, são arquivadas”. “Testemunhamos de viva voz e confirmamos presencialmente as marcas da violência contra Cláudia Simões.”

Cláudia Simões foi chamada a comparecer em tribunal esta terça-feira de manhã, pelas 10h00, conforme adiantou a polícia, algo que a associação critica. “É inconcebível que a vítima seja constituída arguida e presente sine die a tribunal enquanto nada acontece ao seu agressor”, refere em comunicado, sendo claro, para a SOS Racismo, “que o agente em causa não tem condições de exercer e deve ser imediatamente suspenso (...) e levado a tribunal”. “A SOS Racismo tudo fará para que o caso seja conduzido até às últimas consequências para que se faça justiça e se acabe com a impunidade da violência policial racista”, diz a associação, condenando o “uso desproporcional da força contra cidadãos racializados indefesos como foi, outra vez, o caso” e repudiando a “impunidade que tem permitido a perpetuação do abuso de força e uso de violência por partes de elementos das forças de segurança contra pessoas racializadas”. A associação exige ainda que sejam adotados medidas preventivas de modo a evitar que situações semelhantes ocorram no futuro.

Cláudia Simões garante ter sido agredida no carro da polícia

Voltando à história. Com a chegada de “reforço policial”, a mulher acabaria por ser detida e levada para a esquadra, diz ainda a PSP, mas ao jornal luxemburguês Cláudia Simões garante que a história não terminou nesse momento: "Durante o caminho todo fui esmurrada enquanto estava algemada. Ele gritava 'filha da puta', 'preta do caralho' e 'cona da tua mãe' enquanto me dava socos. Eu estava cheia de sangue e gritava muito. Então, subiram o volume da música para não me ouvirem na rua”. Em vez da esquadra, Cláudia Simões contou ter sido levada para o Hospital Fernando da Fonseca para receber tratamento, dados os seus ferimentos.

A PSP confirma-o, referindo que a ida ao hospital, pelas 22h00. “O polícia foi igualmente assistido no mesmo hospital”. Segundo o Expresso apurou junto de fonte hospitalar, o relatório de Cláudia Simões, que esteve em observação “durante uma hora”, fala em “hematomas” e o do agente da polícia em “escoriações”. Cláudia Simões terá sido aconselhada a requerer uma cópia do relatório para posterior utilização legal.

No comunicado, a PSP confirma a existência de uma denúncia de Cláudia Simões contra o agente que procedeu à sua detenção e anuncia a “abertura de processo de averiguações para, a par do processo criminal, proceder à averiguação formal das circunstâncias da ocorrência e de todos os factos alegados pela cidadã”. Foram ouvidas várias testemunhas que se encontravam no local e, segundo fonte da polícia ao Expresso, vão ser requeridos os relatórios médicos — tanto de Cláudia Simões como do agente da polícia — para perceber exatamente o que aconteceu.

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