Sociedade

“É um mal necessário” a constituição como arguida da mulher que se queixou de ser espancada por PSP

“É um mal necessário” a constituição como arguida da mulher que se queixou de ser espancada por PSP
Getty Images

Em causa está o caso que envolve Cláudia Simões, que se queixa de ter sido espancada na Amadora por um polícia mas que foi constituída arguida, indiciada pelo crime de resistência e coação sobre agente da autoridade. O Expresso falou com a advogada de Cláudia Simões, que dá a sua versão dos factos - “esteve uma hora dentro do carro [da polícia] às voltas pela Amadora a ser espancada”

“É um mal necessário” a constituição como arguida da mulher que se queixou de ser espancada por PSP

Marta Gonçalves

Coordenadora de Multimédia

“É um mal necessário” a constituição como arguida da mulher que se queixou de ser espancada por PSP

Helena Bento

Jornalista

“É um mal necessário” a constituição como arguida da mulher que se queixou de ser espancada por PSP

Hugo Franco

Jornalista

“É um mal necessário”, começa por dizer ao Expresso Ana Cristina Domingues, a advogada de Cláudia Simões, a mulher que acusa um agente da PSP de a ter agredido brutalmente e que entretanto foi constituída arguida na investigação que pretende apurar ao certo o que aconteceu na noite de domingo, data dos factos.

“Há uma ideia generalizada de que a constituição como arguido é uma coisa negativa mas não o é necessariamente”, explica a advogada. E completa: “Por exemplo, um arguido tem direito ao silêncio, enquanto se alguém estiver a ser ouvido como testemunha é sempre obrigado a falar. Ser arguido pode ser uma defesa”.

Cláudia Simões foi formalmente constituída arguida ainda no hospital enquanto ainda recebia cuidados médicos. “Estava no Amadora-Sintra quando recebeu o auto de constituição”, acrescenta Ana Cristina Domingues.

Para a advogada, o desfecho da audição desta terça-feira já era o esperado, uma vez que envolve uma agressão. Cláudia Simões está indiciada pelo crime de resistência e coação sobre agente da autoridade. “Era expectável que assim fosse porque a minha cliente foi detida e, infelizmente, já conhecemos as nossas autoridades e sabíamos que iriam arranjar uma justificação qualquer para a agressão de que ela foi alvo. E assim foi”, considera a defesa.

Em comunicado, a PSP diz que Cláudia Simões “mostrou-se agressiva perante a iniciativa do polícia em tentar dialogar, tendo por diversas vezes empurrado o polícia com violência, motivo pelo qual lhe foi dada voz de detenção”. Acrescenta que a mulher, “para se tentar libertar, mordeu repetidamente o polícia, ficando este com a mão e o braço direitos com marcas das mordidelas que sofreu e das quais recebeu tratamento hospitalar”.

Ao Expresso, a advogada assegura que já foi também apresentada queixa contra o agente da PSP em causa e foi pedido que esse auto de queixa fosse incluído no atual processo em curso.

“Uma hora dentro do carro às voltas pela Amadora a ser espancada”

Cláudia Simões entrou no autocarro com a filha de oito anos e o sobrinho por volta das 21h37 de domingo, refere a defesa. A criança tinha-se esquecido do passe e, de acordo com a legislação que define o passe navegante 12, o título é “gratuito para crianças até aos 12 anos de idade válido para qualquer percurso, em todos os operadores de serviço público de transporte regular, em todos os 18 municípios da Área Metropolitana de Lisboa. Para usufruir do passe navegante 12, é necessário que a criança seja portadora de um cartão Lisboa Viva carregado com o perfil Criança”. A mulher de 42 anos garantiu ao motorista que na paragem de destino estaria o filho mais velho com o passe da menina.

Os três entraram e sentaram-se. “Os problemas começaram quando uma mulher brasileira entrou com uma criança também no autocarro”, explica a advogada Ana Cristina Domingues. Trocaram-se insultos e palavras durante a viagem que se previa curta - apenas duas paragens. Então Cláudia, a filha e o sobrinho desceram do autocarro e, nesse momento, o motorista gritou por um agente da PSP que estava a sair de um restaurante e pediu que agisse.

A Polícia diz que o agente foi abordado pelo motorista de um autocarro de transporte público que solicitou auxílio em face da recusa de uma cidadã em proceder ao pagamento da utilização do transporte da sua filha, e também pelo facto de o ter ameaçado e injuriado.

“É então que o agente se aproxima e dá um safanão telemóvel da minha cliente” - refere Ana Cristina Domingues, que conta ainda que naquele momento Cláudia Simões estava numa chamada com uma tia. O telemóvel cai. “Trocaram uma palavras e a polícia deu voz de detenção”, diz a advogada de defesa. “Ordenou-lhe que se sentasse no chão, ao que a minha cliente recusou e disse que se sentava no banco da paragem de autocarro. É então que o agente lhe aplica um mata-leão [um golpe de estrangulamento usado nas artes marciais japonesas, feito pelas costas].”

Depois é o que mostram os vídeos que circulam nas redes sociais: Cláudia deitada de barriga para baixo, algemada e com o polícia sentado em cima dela. “Nas imagens dos vídeos a cara ainda está normal. As grandes agressões aconteceram a seguir”, diz a advogada. Foi então que três carros de patrulha com mais agentes - “que ainda não estão identificados” - chegaram. “Meteram a Cláudia no banco de trás de um dos carros, ao lado dela sentou-se o agente que já a tinha agredido, ligaram a música muito alta e começaram a espancá-la brutalmente e cruelmente.”

De acordo com a versão dos factos da defesa da mulher, Cláudia entrou no autocarro às 21h37 e saiu ainda antes das 22h. Viria a dar entrada no Hospital Fernando da Fonseca (vulgarmente conhecido como Amadora-Sintra) às 22h48. “Significa que ela esteve cerca de uma hora dentro do carro às voltas pela Amadora a ser espancada. O estado em que ficou não é de quem levou apenas um murro. Foi agredida constantemente.”

No entanto, a PSP conta outra versão dos acontecimentos: apenas com a chegada de reforço policial “foi possível conter as pessoas no local” e “promover a condução da cidadã à esquadra para formalização da detenção e notificação para comparência em tribunal às 10h do dia 21”. E que foi Cláudia Simões que pediu para ser levada aos serviços de urgência. Também o agente foi assistido.

A defesa de Cláudia Simões garante que após o espancamento no interior do carro de patrulha estacionaram junto à esquadra da Boba, no Casal de S. Brás. Tiraram a mulher, que caiu inanimada no chão. “Isto constitui também o crime de abandono. Deixá-la assim a sangrar… E já caída o mesmo agente ainda a pontapeou.”

Chegaram então ao local os bombeiros voluntários da Amadora, que transportaram a mulher para o hospital. A defesa não sabe quem fez a chamada de alerta nem em que circunstâncias caso foi referenciado.

“A Cláudia chegou a entrar na esquadra. Andou às voltas no carro, depois foi deixada caída à porta da esquadra e foi daí que os bombeiros a levaram. Nem chegou a entrar”, vinca a defesa, que defende a urgência de se ouvir o agente envolvido e o motorista do autocarro, assim como os agentes que estavam nos carros de patrulha. “Não podiam permitir o que aconteceu. Assistirem a um crime de forma passiva? Isto não pode acontecer. Aquilo era nitidamente a prática de um crime.”

Esta terça-feira, depois de apresentar queixa, Cláudia Simões foi ouvida no âmbito da investigação na sequência da queixa apresentada pelo agente da PSP. Foi constituída arguida e sujeita a termo de identidade e residência. O polícia envolvido “não foi constituído arguido”, avançou à agência Lusa fonte da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP).

A investigação inclui o interrogatório de todas as pessoas envolvidas, assim como a identificação da "extensão dos ferimentos" da mulher detida e do polícia e quais as mazelas para o futuro, uma vez que foram ambos assistidos no Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora.

Na segunda-feira, a PSP anunciou a abertura de "um processo de averiguações para, a par do processo criminal, proceder à averiguação formal das circunstâncias da ocorrência e de todos os factos alegados pela cidadã", na sequência da denúncia apresentada pela mulher detida contra o polícia de serviço.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mpgoncalves@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate