Não é segredo, e muito menos novidade, que o ar que respiramos diariamente nos meios urbanos tem consequências para a saúde de todos. Para ajudar a minimizar o problema, Lisboa introduziu, em 2011, um programa de Zonas de Emissões Reduzidas (ZER) dividido em três fases: a primeira, que interditava a circulação de automóveis anteriores a 1992 em locais definidos do centro da cidade; a segunda, em 2012, que alargou a área protegida e impediu a passagem de carros produzidos antes de 1996; e, por fim, a terceira fase chegou dois anos depois para proibir viaturas anteriores a outubro de 2000.
Porém, com o aumento do tráfego rodoviário em zonas como a Avenida da Liberdade ou Entrecampos, os ganhos da qualidade do ar conseguidos com as ZER acabaram por ser anulados. Quem o diz é Margarida Lopes, investigadora da Universidade Nova de Lisboa, que tem vindo a realizar uma série de medições, através de dispositivos móveis desenhados para o efeito, em vários locais da capital para aferir a real concentração de “partículas ultrafinas associadas a diferentes modos de tráfego, designadamente o aéreo, rodoviário e fluvial”. A especialista, que apresentou as suas conclusões iniciais na conferência “O Pulmão e o Ambiente”, organizado pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), em parceria com o Expresso, afirma que “onde quer que estejamos estamos sujeitos à poluição atmosférica”, já que condições meteorológicas como o vento podem transportar gases nocivos ao longo de muitos quilómetros.
Embora ainda não tenha concluído o estudo, Margarida Lopes consegue traçar um retrato da qualidade do ar no centro urbano alfacinha e os resultados não são animadores. Se é verdade que os valores mais elevados de emissões no transporte automóvel foram registados na Avenida da Liberdade, onde ultrapassam “sistematicamente” os limites legais, é no Aeroporto Humberto Delgado que os valores surpreendem – são cerca de dez vezes superiores aos recolhidos no centro. O cenário é particularmente preocupante pela proximidade a diversas zonas habitacionais em redor do aeroporto, um local de excelência para a libertação de partículas ultrafinas. Invisíveis a olho nu e indetetáveis pelas estações de medição da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). “Podem atingir rapidamente a corrente sanguínea e, através dela, qualquer órgão” do corpo humano, sendo capazes de provocar doenças respiratórias, como a asma ou o cancro do pulmão, mas também danos neurológicos.
Como fugir à poluição?
Há muitos anos que países como a China enfrentam graves problemas de poluição atmosférica, obrigando os cidadãos dos seus grandes centros urbanos a protegerem-se com máscaras e bandanas. Por cá, há quem opte por mudar-se de armas e bagagens para o campo, onde, supostamente, o ar puro e fresco impera. Mas será mesmo assim? A resposta é depende.
Como o vento, aliado a outras condições meteorológicas, pode ajudar a espalhar os gases poluentes e as partículas ultrafinas, não se pode dizer que em zonas rurais os níveis sejam tão reduzidos como se possa pensar. “Contrariamente ao que seria expectável, as concentrações mais elevadas de ozono fazem sentir-se em Trás-os-Montes, uma zona já bastante afastada dos centros urbanos”, afiança Margarida Lopes. Aliás, um dos exemplos que utiliza para o demonstrar prende-se com a navegação de navios de cruzeiro que, segundo estudos citados pela investigadora, emitem partículas ultrafinas capazes de atingir territórios até 400 quilómetros de distância.
É, então, possível a um cidadão urbano ou rural proteger-se da poluição? Filipa Marques defende que existem formas de diminuir a exposição a este tipo de gases nocivos, nomeadamente através da mobilidade partilhada e sustentável, de maior cuidado na utilização de aquecimento doméstico ou pela escolha de locais afastados do centro para a prática de exercício físico. “As soluções são conhecidas”, diz, acrescentando que “depende de nós e das nossas escolhas” reduzir a poluição, por um lado, e o impacto na saúde de cada um, por outro. Só assim, com a ação coletiva e individual, será possível trocar o veneno invisível por oxigénio limpo e saudável.
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