Sociedade

Auditoria externa aponta falhas na formação de médicos do SNS

30 novembro 2019 15:02

joe raedle/getty images

A avaliação das capacidades de formação de médicos no SNS tem sido subjetiva e pouco documentada, conclui uma auditoria externa que aponta ainda falhas no processo de internato médico. As críticas são dirigidas à Ordem dos Médicos.

30 novembro 2019 15:02

A avaliação das capacidades de formação de médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido subjetiva e pouco documentada. A conclusão consta do relatório de auditoria externa e independente pedida pelo Ministério da Saúde e realizado pela consultora EY. O documento, que analisa os procedimentos que desencadeiam o internato médico (formação especializada de médicos) aponta falhas no processo, nomeadamente à Ordem dos Médicos.

As vagas são anualmente abertas pelo Ministério da Saúde, com base na identificação idoneidade e capacidade de formação dos serviços de saúde por parte da Ordem dos Médicos. Ora, a auditoria realizada pela EY aponta falhas precisamente a este processo de avaliação da idoneidade e das capacidades formativas dos serviços. Em causa estão a falta uniformização e documentação do processo, o que aumenta a ineficiência, além de tornar a avaliação subjetiva.

"Não se verificou a existência de práticas uniformes e documentadas de revisão periódica dos critérios de idoneidade e capacidade por parte da Ordem do Médicos. Alguns colégios de especialidade assinalaram que existem critérios pouco adequados face à evolução e contexto atual da sua especialidade, tendo sido referido que os critérios se encontram em revisão ", pode ler-se no documento. Como consequência, a auditoria entende que pode haver diferentes avaliações dos critérios e, logo, uma desadequação desses critérios a cada especialidade médica, podendo assim levar a uma subjetividade na avaliação das idoneidades e das capacidades formativas de cada serviço.

A questão da subjetividade pode, segundo os auditores, "afetar ligeiramente o aproveitamento da capacidade formativa". Como recomendações, a auditoria sugere que seja criado um manual de regras e procedimentos com a metodologia de trabalho, com as atividades e que permita uniformizar o processo entre as várias entidades envolvidas. A auditoria propõe ainda uma uniformização dos processos de revisão dos questionários e dos critérios de avaliação da idoneidade e capacidade formativa pela Ordem dos Médicos e que se torne obrigatório que todos os serviços preencham os questionários de idoneidade para "melhorar a clareza do processo e a adequação à realidade das especialidades" médicas.

Para a ministra da Saúde, Marta Temido, as conclusões desta avaliação são apenas "o início do trabalho que há realizar" para melhorar a definição de vagas. A auditoria, confirma, "veio recomendar uma maior transparência e uma maior clarificação e até informatização desse processo para, não só garantir que eventuais capacidades que existam e que não estão a ser aproveitadas, não possam o ser". O documento serve também, segundo a ministra, para que "todos fiquemos tranquilos e informados sobre a forma com se atribuem" os procedimentos que desencadeiam o internato médico".

Número de médicos sem especialidade vai aumentar

Segundo a auditoria, ao longo dos próximos anos, o número de jovens médicos sem acesso a formação especializada vai aumentar porque nas atuais condições das unidades do SNS será difícil manter o crescimento das vagas para especialização. O relatório indica que o aumento de vagas para médicos em formação específica não tem sido suficiente para responder ao "acentuado aumento" de candidatos, prevendo um crescimento do número de jovens médicos sem acesso a formação especializada.

"Poderá existir dificuldade em manter o ritmo crescente do número de vagas abertas ao longo dos últimos anos, tendo em consideração as capacidades e condições atuais dos estabelecimentos do SNS para a realização de formação médica com a qualidade desejada", indica que antecipa não só o aumento do número de médicos sem colocação na especialidade, como uma maior pressão nos profissionais afetos ao processo de avaliação de idoneidades e capacidades formativas.

Apesar de um crescimento do número de vagas ao longo dos últimos anos, tem sido também constante o aumento do número de candidatos que ficam sem acesso à especialidade. Em 2018, 37% dos candidatos que ficaram de fora da especialidade. Dos 2.640 proponentes, a Ordem dos Médicos propôs 1.669 vagas, tendo em conta a capacidade formativa dos serviços, apesar de as instituições do SNS terem solicitado um total de 1.878 internos.

A auditoria identifica como proponentes à especialidade dos médicos todos os alunos que realizam prova de acesso, o que inclui desistências, faltas ou exclusões, pelo que o número real de candidatos será mais baixo. Ainda assim, esclarece o relatório, entre 2006 e 2018 as vagas disponibilizadas para formação específica de médicos aumentaram 132%. No mesmo período, os candidatos a concurso cresceram 226%.

Em 2006 eram 810 os médicos proponentes a aceder a uma especialidade, quando em 2018 passaram a ser 2.640. O aumento de médicos sem acesso à especialidade não está propriamente ligado a um maior número de alunos que saem dos cursos de Medicina, que se tem mantido estável. Mas, à medida que mais candidatos vão ficando de fora, o problema acumula-se de ano para ano.

Para a próxima segunda-feira está marcada uma reunião, no Ministério da Saúde, que servirá para apresentar e analisar os resultados desta auditoria às várias partes envolvidas na atribuição de vagas para internato médico. A partir desta esta reunião, Marta Temido espera que possam resultar "um conjunto de ações, através de despacho, que permitam a correção do processo", garantiu.