Sociedade

Morreu Rogério Rodrigues, o repórter exemplar que desprezou honrarias e estrelatos

Jornalista, poeta, navegante, conhecedor do submundo e o homem que destapou uma parte da realidade do então mais fechado PCP. “Era altamente modesto. Era a pessoa mais desprendida do mundo. Almoçava com amigos, tinha umas tertúlias, não gostava de estrelato, nem de mostrar-se, nem de achar... tinha um feitio muito especial." Rogério Rodrigues morreu aos 72 anos

Foto: Inácio Ludgero

É uma das referências dos jornalistas que começaram a bater tecla noutros tempos, quando havia mais burburinho, nuvens de fumo, numa altura em que o cheiro a whisky não era mal encarado e quando pertencia ao futuro a ideia de redações em open space. Rogério Rodrigues, um homem de esquerda, deu a conhecer um lado mais obscuro do Partido Comunista Português, escreveu notícias que abanaram a sociedade e embasbacaram colegas de redação. Escreveu sobre crime e publicou livros de poesia com um pseudónimo que honrava o lugar onde nasceu. Rogério Rodrigues morreu na terça-feira, de cancro, num hospital. Tinha 72 anos.

O velório de Rogério Rodrigues realiza-se nesta sexta-feira, a partir das 18h00, na Igreja Matriz da Amadora, e o funeral decorrerá no próximo sábado, pelas 14h00, seguindo para o crematório de Barcarena.

O jornalista teve passagens pelo “Diário de Lisboa”, “O Jornal”, “Público” e “A Capital”. Pelo meio, na segunda paragem da viagem, encontrou Henrique Monteiro. “Foi um repórter completamente exemplar”, conta Monteiro ao Expresso. Trabalharam juntos oito anos e foram amigos nos últimos 40. “Era altamente modesto. Era a pessoa mais desprendida do mundo. (...) Almoçava com amigos, tinha umas tertúlias, não gostava de estrelato, nem de mostrar-se, nem de achar... tinha um feitio muito especial.”

Luís Osório, jornalista e ex-diretor do jornal “A Capital”, convidou Rodrigues para adjunto naquele periódico. “Talvez nunca tenham ouvido falar do Rogério, mas com isso não se sintam culpados com tal ignorância, ele fez tudo para nunca ser falado, para nunca ser elogiado, para passar sempre ao largo dos holofotes, dos aplausos, das condecorações, dos puxa-saco”, escreveu Osório numa publicação no Facebook com o título “Morreu o último jornalista”. Naquele texto com 1012 palavras, Osório descreve o “mais extraordinário jornalista” que conheceu. “A pessoa com quem mais aprendi, a pessoa com quem bebi o primeiro whisky, a pessoa a quem confessei não ser capaz, a pessoa a quem pedi refúgio.”

Rogério Rodrigues, que perdera um irmão na Guerra Colonial, deixa a mulher, Arlene Rodrigues, médica na Casa da Imprensa, e dois filhos, Tiago e Diogo. O primeiro é o diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II. Sobre o seu amor por Arlete, Osório relata: “Amava profundamente a mulher da sua vida. Contou-me num dia especial: ‘A Arlete é a pessoa da minha vida, não saberei viver sem ela, mas não lhe quero dar esse peso, o peso dessa dependência, é apenas um problema meu’”. Rodrigues levava a poesia no desabafo.

Alguns dos pontos altos da carreira de Rodrigues deveram-se ao Partido Comunista Português. Primeiro, fundou com José Pacheco Pereira a revista “Estudos sobre o comunismo”. “Era um dos que mais sabia, juntamente com o Pacheco, da história do PC”, conta Henrique Monteiro. “Nos anos 80, ainda antes da queda do Muro de Berlim, foi importante porque trouxe à luz muitas coisas que o PCP fez em Portugal, que eram muito desconhecidas.” Esta dupla, Rodrigues e Monteiro, deu a notícia de que Otelo Saraiva de Carvalho era “o cabecilha” das FP-25. Ambos conseguiram documentos que confirmaram aquele cenário, tanto do lado da polícia como do lado do Governo de Mário Soares. “A ele custou-lhe particularmente porque sempre foi uma pessoa de esquerda, mas pôs sempre a independência, rigor e essas coisas todas à frente.” Rogério Rodrigues tinha a história e pediu a Monteiro que a confirmasse pelo lado do Executivo e, mesmo assim, sugeriu que apenas Henrique Monteiro assinasse a peça. Assinaram os dois.

“Escrevia muito bem, lindamente”, recorda Monteiro. O jornalista que morreu esta terça-feira publicou livros de poesia com o pseudónimo Pedro Castelhano, em homenagem à terra que o viu transformar-se em alguém, Peredo dos Castelhanos, no concelho de Torre de Moncorvo, Bragança. Foi para aqui que se mudou algumas temporadas para olhar pela mãe, doente.

Mas a referência estava e está sempre no jornalismo. “Foi também um jornalista que se distinguiu nas coberturas de grandes crimes”, lembra Monteiro. “Nesse estilo de jornalismo era imbatível. Era uma pessoa cheia de fontes nas polícias, no submundo, e também fez reportagens em muitos sítios do mundo, quando a imprensa era menos pobre.”

No fundo, sentencia Monteiro, “era uma pessoa dedicada, à mãe, aos amigos… (...) Era rigoroso, minucioso e com grande sentido ético. Desprezou sempre carreiras de chefia, quaisquer honrarias ou estrelatos”.

"Não há palavras, Rogério", fecha assim a públicação no Facebook Luís Osório. "Tinhas mesmo de abalar hoje? Bebes um copo comigo? Vem, estou aqui. A garrafa dá para os dois."

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