Sociedade

Jovens são os mais afetados pelo desemprego

Jovens são os mais afetados pelo desemprego
Tiago Miranda

Projetos Expresso. São a geração mais qualificada de sempre em Portugal e a que mais sofre no acesso ao mercado de trabalho. A taxa de desemprego é mais do dobro da dos seus antecessores

André Rito

Em 2014, João Duarte estava a terminar o curso de Gestão na Universidade Nova de Lisboa e trabalhava numa organização não-governamental ligada ao emprego social. A saída da faculdade coincidiu com o pico da crise, que acabou por chegar ao seu círculo mais próximo de pessoas. “Vi algumas famílias a desmoronarem-se, os meus amigos da faculdade sem conseguirem trabalho, os pais dos meus amigos em dificuldades”, recorda o fundador da Menos Hub, empresa de apoio à criação de micronegócios.

Na altura, concluída a licenciatura, João Duarte trabalhava com a Wact (We Are Changing Together), que opera no apoio ao emprego e desenvolvimento pessoal através da educação. Estávamos no ano que coincidiu com a saída de Portugal da troika, a 4 de maio. Foi também em 2014 que a taxa de desemprego começou a descer: depois de em 2013 ter sido de 16,2%, no ano seguinte o valor fixou-se nos 13,9%.

Houve, no entanto, um dado que pouco se alterou: o desemprego jovem, na faixa etária abaixo dos 25 anos, também iniciou uma descida sem nunca chegar a valores próximos da taxa de desemprego geral. João tinha 23 anos quando “o projeto começou a moldar-se”. Hoje, com 27, mantém o negócio que o fez dar a volta a um paradoxo da sua geração: pertence a um grupo etário altamente qualificado, mas que é também o mais penalizado pelo desemprego.

“Trata-se de uma geração com níveis médios de qualificação mais elevados do que as gerações precedentes, a que se associa, no entanto, uma elevada taxa de desemprego, refletindo uma maior dificuldade de entrada no mercado de trabalho”, introduz o estudo do INE “Jovens no mercado de trabalho”, que teve como princípio fazer um retrato da situação laboral dos jovens com vista a monitorizar os objetivos definidos na Estratégia Europa 2020. Atualmente, a taxa de desemprego ronda os 20% entre os 15 e os 24 anos, mais do dobro da registada acima dos 25 anos. Para se ter uma ideia comparada, a taxa de desemprego em Portugal é de 6,6%, segundo os dados de julho do INE. O período mais agudo da crise coincidiu também com a fase mais complicada no acesso ao trabalho: entre 2011 e 2015 a taxa de desemprego jovem fixou-se sempre acima dos 30%, atingindo o pico em 2013, com o valor a fixar-se nos 38,1%.

A Menos Hub trabalha a fórmula das startups: acelera os processos e reduz custos. “O objetivo é adaptar as metodologias a pessoas sem conhecimento de negócio, tornando-o o mais simples possível. Em termos práticos, os nossos programas estão focados numa validação de mercado”, explica o fundador da associação, uma das selecionadas para os Prémios BPI “La Caixa”. “Preciso de €50 mil para abrir um cabeleireiro”, exemplifica. “As pessoas começam o negócio com base no que acreditam, investem tudo para resolverem problemas que podem não existir. É importante a validação do problema, ir aos poucos validando e investindo. Neste caso, a pessoa lançava um serviço de cabeleireiro ao domicílio, o que lhe permitiu reduzir uma série de custos.”

O cabeleireiro foi ideia de um dos 88 empreendedores que a Menos Hub ajudou a lançar. Destinada sobretudo a apoiar projetos de empreendedores desempregados, até hoje a associação ajudou a criar 54 ideias de negócio estruturadas, das quais 25% estão operacionais. “A realidade em Portugal a nível de salários é dura e temos muitas pessoas a quererem explorar novas oportunidades e seguir a sua paixão.”

Foi o caso de Diane, que criou um negócio de marmitas saudáveis para levar para o trabalho, ou de um jovem desempregado que decidiu arriscar numa ideia de experiências turísticas sociais, visitando artesãos, restauradoras de azulejos, workshops de pastéis de nata. “Empreender numa vertente social não é fácil. Mas sentimos que estamos a ganhar estrutura. Numa altura em que toda a gente quer mais, acrescentar, fazer maior, nós achamos que simplificar é que é necessário.”

Um chefe da rua
O IDIS — Instituto de Desenvolvimento e Inclusão Social opera noutra área de intervenção: trabalha junto de jovens problemáticos. Fundada há cinco anos por “um grupo de empresários que queria intervir junto de jovens em situações de risco”, a associação promove vários projetos ligados aos jovens e às suas problemáticas, como apoio ao emprego a jovens em situação de vulnerabilidade. O programa Check-In, por exemplo, está ligado às estratégicas da Empregabilidade e Emprego, Capacitação e Empreendedorismo e Inclusão Digital. Um dos jovens apoiados viveu nas ruas antes de ser acolhido pela instituição. “Tinha cá a família, dedicava-se à mendicidade. Os pais foram embora e ele ficou à guarda do Estado. Veio para cá com 16 anos, analfabeto, porque nunca tinha estado na escola, muito problemático. Como um dos principais projetos da instituição é a Padaria Social — que leva pão aos sem-abrigo e produz bolos para fora — o jovem acabou por descobrir um talento: a cozinha. Hoje tem dois trabalhos, um na cozinha do chefe Cordeiro, outro num restaurante muito perto. Conseguiu sair do lar e arrendou a sua casa.”

Valores sociais

3,1
milhões de portugueses têm menos de 29 anos. Em 1975 eram 4,6 milhões

79%
dos jovens frequentavam o ensino secundário em 2016/17. Em 1992, eram 40%

2500
é o número de jovens portugueses que se candidataram ao Corpo Europeu de Solidariedade, rede de procura de emprego ou voluntariado na área social. Portugal foi o terceiro país na UE com mais candidatos

Os desafios de uma geração

São os mais escolarizados, conectados e preocupados com o ambiente

Emprego
É o grande desafio dos jovens portugueses. Embora se trate da geração mais qualificada de sempre no nosso país, os jovens portugueses são os mais afetados pelo desemprego. A grande dificuldade está na faixa etária dos 25 anos, cuja dificuldade em aceder ao mercado de trabalho não deixa dúvidas: a taxa de desemprego é de 20%, muito acima da média da UE.

Família
Portugal é o sétimo país da Europa onde a emancipação dos jovens em relação aos pais acontece mais lenta e tardiamente. E quando o fazem no topo das suas prioridades está a ideia de constituir família. Apesar disso, os jovens portugueses casam-se cada vez mais tarde, têm filhos mais tarde, muitas vezes sem estarem formalmente casados.

Pobreza
Se o acesso ao mercado de trabalho é difícil, o risco de pobreza aumenta. Os jovens até aos 18 anos são dos grupos mais vulneráveis em Portugal: em 2017, segundo estatísticas oficiais, 22,4% dos jovens portugueses nesta faixa etária estava em risco de pobreza. Segundo um relatório da Cáritas Europa, de 2018, Portugal não foi capaz de quebrar os ciclos de transmissão da pobreza. Os efeitos observam-se na educação, no mercado de trabalho e na habitação.

CCB recebe selecionados

Os vencedores do Prémio BPI “la Caixa” Solidário serão apresentados no dia 18 de setembro, numa cerimónia que terá lugar no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. São 23 os projetos selecionados que desenvolvem trabalho social de norte a sul do país.
Os Prémios BPI “la Caixa” 2019, a que o Expresso se associa, são uma iniciativa conjunta do BPI e da Fundação “la Caixa”, e destinam-se a apoiar financeiramente projetos que promovam a melhoria da qualidade de vida e a igualdade de oportunidades de pessoas em situação de vulnerabilidade social. No total são cinco os prémios atribuídos, no valor de €3,75 milhões, para apoiar projetos de instituições privadas sem fins lucrativos.

Em 2018, o BPI e a Fundação “la Caixa” contribuíram com um total de mais de €15 milhões para apoiar as áreas da Ciência, Educação, Cultura e Solidariedade Social, tendo esta última representado perto de metade do total das verbas distribuídas em Portugal.

Textos originalmente publicados no Expresso de 14 de setembro de 2019

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