Como uma bomba-relógio com data e hora para explodir, a nova greve dos motoristas de matérias perigosas tem início marcado para 12 de agosto e ameaça deixar o país num estado caótico. E mesmo com o ministro Pedro Nuno Santos a garantir que o Governo já está de prevenção, muitos temem o pior para os dias em que o Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP) der ordem de paragem aos camiões.
A 15 de abril, o país foi apanhado de surpresa. O atual ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que enquanto secretário de Estado havia sido o interlocutor do Governo com os partidos da “geringonça”, só conseguiu articular um acordo entre a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e SNMMP passadas 72 horas do início da paralisação. Nesse curto espaço de tempo, centenas de bombas de gasolina secaram e foram muitos os voos em risco de não descolar. No rescaldo, foi precisa uma semana até que o país se restabelecesse por completo.
Agora, o Executivo de António Costa prepara-se para um embate ainda maior. Se as reservas de gás do Algarve “secarem”, essa situação pode demorar meses até ser restabelecida, já alertaram vários especialistas. Quando faltam dez dias para o arranque da nova greve do SNMMP, vale a pena recordar todos os eventos que nos trouxeram até aqui.
1 de abril
Era dia das mentiras e talvez por isso ninguém tenha dado demasiada importância quando o pré-aviso de greve começou a circular: o SNMMP - constituído em 2015 como associação, mas transformado como sindicato a 8 de novembro de 2018 - prometia daí a 15 dias parar o abastecimento de combustível por todo o país. O movimento, com cerca de 600 associados, exigia a criação de uma categoria profissional própria, a atualização do subsídio de risco e o aumento do salário base dos atuais 630 euros para 1200 euros.
15 de abril
O país acordou com as primeiras notícias sobre a greve. O SNMMP anunciava uma adesão de 100% e a ANTRAM denunciava “o atropelo de legalidade” que estava a ser cometido pelo sindicato, “quer pelo facto de não ter promovido a organização dos serviços mínimos, quer pelo facto de não incentivar os trabalhadores em greve ao cumprimento desses serviços.”
Logo nas primeiras 24 horas, há postos de abastecimento a ficar sem combustível. Seria porém, no dia seguinte, que se começaria a sentir o verdadeiro impacto da paragem dos motoristas de matérias perigosas.
16 de abril
Pedro Nuno Santos entra em cena. Ao final do dia, depois de centenas de postos de gasolina terem secado, o ministro convoca uma reunião com a ANTRAM e o SNMMP, com o objetivo de articular os serviços mínimos. Tal, todavia, não aconteceu. (Já após o final da greve, recorde-se, veio a público que muitos motoristas haviam desligado os telemóveis, de forma a que não fosse possível convocá-los para os serviços mínimos.) Foram precisos mais dois dias de conversações entre a ANTRAM e o sindicato para se chegar a um acordo.
18 de abril
O ministro das Infraestruturas anuncia, às oito horas da manhã, o fim da greve. ANTRAM e SNMMP assinam um “protocolo negocial”, documento que estabelecia à partida um período de conversações até 31 de dezembro de 2019. Na teoria, mais nenhuma paralisação do género aconteceria até ao final do ano.
Ambas acordaram então negociar a individualização da tabela salarial, a criação de um subsídio de risco e seguros de vida específicos para estes profissionais.
No documento fica também estabelecido que “os acordos de princípio relativos a cada um dos assuntos abordados não condicionam a eventual não existência de um acordo global aceite pelas partes”.
29 de abril - Primeira reunião
Arrancam as negociações, articuladas mais uma vez por Pedro Nuno Santos, e há logo sinais de confusão. À saída da primeira reunião, Pardal Henriques, advogado do SNMMP, afirma que a ANTRAM foi surpreendida pela proposta de revisão do acordo coletivo de trabalho. “Dizer-nos que não vinha preparada é uma afronta que não estamos dispostos a aceitar”, diz.
E logo o vulto de uma nova paralisação reaparece. O representante do SNMMP anuncia que o sindicato havia dado à estrutura patronal uma semana para se pronunciar sobre o reconhecimento da categoria profissional de motorista de matérias perigosas e a definição do salário base da profissão em dois salários mínimos. Caso contrário, voltariam “à greve” a 23 de maio.
Em reação, o presidente da ANTRAM, Gustavo Paulo Duarte, evita dar demasiada importância às declarações do representante do sindicato. Defende que aquele fora o primeiro encontro “de um calendário de negociações que se prolonga até ao final do ano”. Além isso, não se podem exigir respostas “no imediato”, diz.
7 de maio - Segunda reunião
À saída do encontro, os diferendos pareceram, por breves momentos, estar sanados. Pedro Pardal Henriques diz que ambas as partes haviam chegado a um pacto de paz social pelo prazo de 30 dias. Havia uma nova proposta salarial “muito próxima” dos 1200 euros e o reconhecimento da categoria profissional estava bem encaminhado.
Porém, Pedro Polónio, vice-presidente da ANTRAM, logo vem contradizer o representante do SNMMP. “Digo-lhe apenas que os 1200 euros de salário base eram absolutamente incomportáveis para a empresa e colocariam em causa a sua sobrevivência”, afirma. Relativamente à criação de uma categoria profissional própria, as negociações estavam “muito longe de chegar” ao fim, fez questão também de frisar.
8 de maio
A ANTRAM emite um comunicado que deita por terra quaisquer que tenham sido os sucessos da última reunião com o sindicato. A entidade patronal anuncia, em comunicado, que o salário que está a ser negociado é de 700 euros, não 1200, como havia dito Pardal Henriques.
“A nova contraproposta assenta num salário base de 700 euros com efeitos a partir de dia 1 de janeiro de 2020, mantendo-se, em termos gerais, os termos do atual CCTV (Contrato Coletivo de Trabalho Vertical do sector rodoviário de mercadorias), ainda que reforçando, em sede de seguros, exames de saúde e subsídio diário adicional a criar, a proteção dos trabalhadores afetos ao transporte de mercadorias perigosas em cisterna”, lê-se.
Ainda no mesmo dia, em declarações à RTP, o representante do sindicato anuncia a entrega de um novo pré-aviso de greve. O procedimento é, efetivamente, assinado no dia seguinte.
10 de maio
Pedro Nuno Santos volta a intervir e a conseguir um novo consenso. Em comunicado, o Ministério das Infraestruturas anuncia que o SNMMP e a ANTRAM firmaram um “acordo de princípio“.
A declaração conjunta estabelece que as duas estruturas pretendem “garantir aos motoristas de materiais perigosos um acréscimo da retribuição global (a repartir entre as diversas rubricas fixas) de 100 euros em 2021 e outros 100 euros em 2022”. Contudo, este aumento tem uma condição: “Caso as condições económicas o permitam relativamente a este último“, lê-se.
No final do documento, torna-se explicito que o teor do acordo "fica condicionado à aprovação do mesmo por parte dos filiados” no sindicato e na ANTRAM.
16 de maio
A ANTRAM anuncia que os seus afiliados não aceitaram as condições dos sindicatos - em particular, o aumento gradual do salário global — uma vez que tal “representaria, para algumas empresas, a falência”.
17 de maio - Terceira reunião
Num encontro mediado pelo Governo, volta a sair um novo acordo. A greve agendada para 23 de maio é então desconvocada. “Há um acordo para a progressão salarial que começa em janeiro com uma remuneração base que começa em 1400 euros por mês e inclui um prémio especial para os motoristas de matérias perigosas, sendo que se partia de 630 euros fixos e passa-se para 1400 euros fixos divididos por várias rubricas”, diz Pardal Henriques, à saída da reunião.
O documento assinado por ANTRAM e o SNMMP, contudo, deixa cair a reivindicação de um aumento gradual de 100 euros por ano até 2022.
21 de maio
ANTRAM assina um Protocolo Negocial com o Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias (SIMM) muito semelhante ao do SNMMP. Mais tarde, um representante do SIMM irá queixar-se de ter sido pressionado a assinar o acordo sem conhecer a totalidade do conteúdo.
12 de junho
Dá-se a primeira reunião entre as três estruturas que representam os motoristas de transportes de mercadorias - FECTRANS, SNMMP e SIMM - com a ANTRAM. No encontro, está presente um representante do Governo.
A confederação patronal apresenta uma proposta: passar para o contrato coletivo de trabalho tudo o que estava no “Protocolo Negocial”.
19 de junho
Guilherme Dray, o mediador do Governo, aponta, numa reunião com os sindicatos e a ANTRAM que existe “uma diferença entre a declaração conjunta de 9 de maio e o protocolo negocial de 17 de maio”. Começa, mais uma vez, a confusão.
De acordo com André Matias Almeida, porta-voz da ANTRAM, “o sindicato sabia que estava a deixar cair a proposta do aumento dos 100 euros em 2021 e 2022. E não disse a verdade aos seus associados”.
2 de julho
Era suposto os sindicatos reunirem-se com a ANTRAM, mas o encontro foi cancelado. Alegadamente, estes queriam reunir primeiro, em congresso, com os associados. No entretanto, começa a circular a notícia que os sindicatos podem estar a preparar uma nova paralisação.
6 de julho - Anúncio da greve
Eis que surge a notícia da greve agendada para agosto. No congresso promovido pelo SNMMP e SIMM, os motoristas aprovam a paralisação. Passam a exigir: “Um aumento do salário base de 100 euros nos próximos três anos (1400 euros brutos para 2020, 1600 euros para 2021 e 1800 euros para 2022), melhoria das condições de trabalho e pagamento das horas extraordinárias a partir das oito horas de trabalho, entre outras medidas.”
23 de julho
ANTRAM propõe para a greve dos motoristas de matérias perigosas serviços mínimos de 70%. A proposta é comunicada numa reunião com os sindicatos que avançaram com o pré-aviso, mas não é bem recebida.
24 de julho
Pedro Nuno Santos diz que os portugueses devem começar a “abastecer” as suas viaturas para “se precaverem” no caso de haver greve dos motoristas a partir de 12 de agosto, e que “as eleições não deviam ser estímulos para que se façam greves”.
“Temos todos de nos preparar. O Governo está a fazer o seu trabalho [para evitar a greve], mas todos podíamos começar a precaver-nos, em vez de esperarmos pelo dia 12, que não sabemos se vai acontecer [a paralisação]. Era avisado podermo-nos abastecer para enfrentar com maior segurança o que vier a acontecer”, afirma.
25 de julho
O SNMMP afirma que os seus associados não vão realizar cargas e descargas de combustível na prestação dos serviços mínimos que vierem a ser definidos pelo Governo para a greve agendada.
29 de julho
O ministro da Defesa Nacional, João Gomes Cravinho, anuncia a utilização das forças armadas para minorar os efeitos da greve dos transportadores de combustíveis desde que "tenha o enquadramento constitucional apropriado".
As Forças Armadas "estão sempre disponíveis para apoiar as necessidades que venham a ser identificadas, dentro do enquadramento constitucional apropriado", defendeu.