Sociedade

Portugal tem meio milhão de voluntários na Economia Social

Portugal tem meio milhão de voluntários na Economia Social
Ana Maria Baião Correia

Estudo: Dados do INE revelam tendência de solidariedade no país. 71.885 entidades representaram 3% do valor acrescentado bruto em 2016

André Rito

No Centro Juvenil de São José já chegaram a viver, em simultâneo, mais de 120 jovens sinalizados pela Segurança Social. A instituição sediada em Guimarães, conhecida por Oficinas de São José, hoje acolhe apenas 12 crianças. Todos com o mesmo perfil: menores sem apoio familiar e em risco de exclusão social. “O acompanhamento, por norma, é até aos 18 anos, mas já houve quem fosse estudar para a universidade e vivesse aqui até terminar o curso”, conta ao Expresso Fernando Sousa, diretor da instituição de solidariedade social, uma das mais de 70 mil existentes em Portugal.

Este é um dos números divulgado pela Instituto Nacional de Estatística, no âmbito da Conta Satélite da Economia Social, que contabiliza associações mutualistas, cooperativas, misericórdias, fundações, entre outras. A instituição de Guimarães que tem uma filial em Braga e celebrou recentemente 104 anos, teve várias oficinas: de metalurgia, alfaiataria, padaria, onde trabalhavam os utentes do centro. Hoje funciona apenas uma tipografia onde alguns dos utentes do centro trabalham.

“São miúdos de famílias desestruturadas a vários níveis, alguns vítimas de violência em casa, ou cuja família não tem possibilidades financeiras para os sustentar”, diz Fernando Sousa. O centro foi um dos 24 vencedores do Prémio BPI “la Caixa” Infância, dedicado a apoiar projetos que facilitem o desenvolvimento integral e a saúde de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, bem como o reforço de competências parentais (ver caixa).

“Foram 24 associações premiadas, com projetos inovadores que nem conhecia. Se somos um país solidário? A nível da sociedade, sim. Quanto ao poder político, era necessário um maior apoio. São conhecidas as carências e dificuldades que muitas destas instituições estão a atravessar. Era necessário um maior esforço da tutela em muitas destas respostas sociais”, diz o diretor do centro de acolhimento.
Em 2016, o ano a que se refere a Conta Satélite da Economia Social, as 71.885 entidades da economia social representaram 3% do valor acrescentado bruto (VAB) nacional, 5,3% do emprego total e 6,1% do emprego remunerado. A remuneração média correspondeu a 86,3% da média nacional. Em três anos, o número de entidades aumentou 17,3%. Será isto sinónimo de que Portugal é um país solidário?

Apoiar quem apoia
“A economia social tem muita importância, até no emprego. Mas não tenho a convicção de que a solidariedade seja muito profunda e generalizada no nosso país. Existe um mito de que somos um país solidário. Não o sendo, julgo que estamos a começar a ser, estamos no caminho. Há 20 ou 30 anos os números que eu tinha eram menores. Grande parte das instituições foram fundadas nos últimos 15 anos, tirando as tradicionais, como as Misericórdias. Este sector está a crescer”, diz o sociólogo António Barreto.

Segundo dados do Inquérito ao Trabalho Voluntário de 2018, revelados em simultâneo pelo INE, nesse ano cerca de 516 mil pessoas fizeram voluntariado em entidades de economia social. Mas o reconhecimento público deste trabalho é quase inexistente. “Em Portugal os nossos voluntários, jovens e mais velhos, não são compensados no final. O Estado nem um papel lhes dá a dizer que prestou um serviço à comunidade, esse reconhecimento não existe. São as próprias instituições a pagar o seguro desse trabalho. Noutros países existem benefícios, a isenção do serviço militar, créditos na universidade”, afirma ao Expresso António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

“O Estado assegurou nos últimos 50 anos uma coisa muito importante: os direitos sociais. Criou orçamento, subsídios, organismos e institutos. A maior parte disto não tem sentimentos, afeto ou proximidade. É nos voluntários que o encontramos, e percebemos que gostavam de ser reconhecidos”, acredita o sociólogo.

Para o ex-ministro da Segurança Social e do Trabalho, Bagão Félix, estamos num país “emocionalmente solidário”. “Temos uma grande capacidade de aglutinar forças nos momentos de maior dificuldade ou crise, mas temos também um fator que às vezes, erradamente, nos dá a ideia de que podemos dispensar a solidariedade: o recurso ao Estado. A solidariedade exige subsidiariedade, ou seja, se podemos resolver as coisas no nosso patamar, não vamos ao patamar acima”, diz o ex-ministro. “Este problema é histórico num povo como o nosso, em que a primeira entidade a que recorre é ao Estado.” Sobre o assunto, António Barreto recorda o tempo em que teve funções no Estado e conhecia dados dos apoios estatais à solidariedade. “Toda a gente pedia a mais, porque pensavam que era uma forma de levar mais algum dinheiro. “Neste caso [dos Prémios BPI “la Caixa”] isso não acontece, os pedidos de verba são muito próximos das necessidades específicas”, disse o sociólogo, após a cerimónia de entrega dos prémios.

A família foi um dos sectores em destaque na Conta Satélite da Economia Social. As instituições sem fins lucrativos ao serviço das famílias representam 91,2% do universo da CSES, sendo também o mais relevante em termos de contribuição para o valor anual bruto: 71,6% do valor total. Fernando Sousa, do Centro Juvenil de São José, viu a sua instituição ser premiada com 40 mil euros para aplicar numa nova valência de apoio às famílias. “Além da casa de acolhimento, temos uma creche e, em finais de 2018, criámos o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Paramental (CAFAP), que é um ponto de encontro da família, da sua preservação e reunificação. Estamos a fazer obras para melhorar os equipamentos, que serão em parte pagas com o valor do prémio.”

Valores sociais

5622
é o número de instituições particulares de solidariedade social em Portugal, segundo dados do INE. Representam 43% do valor anual bruto da Economia Social

3,8
milhões de euros é o valor das remunerações pagas na economia social. Um dado que representa 5,2% da economia nacional

389
é o número de misericórdias em Portugal. As associações com fins altruísticos são as entidades em maior número na economia social (57.196), seguidas das cooperativas (2117)

A infância em Portugal

As grandes vítimas da crise financeira foram os mais novos: sofreram com o desemprego dos pais e privações materiais

Crise
Durante o período do resgate financeiro, uma em cada quatro crianças vivia numa família com privação material. Nessa altura, mais de meio milhão de crianças perderam o direito ao abono de família. Os menores foram as grandes vítimas da crise em Portugal. Em 2016, o Estado gastou perto de 650 mil euros em abonos de família. Em 2009, o valor era da despesa era bem mais expressivo: um milhão de euros por ano.

Educação
Em 2018, quase metade dos educadores de infância no ativo tinham 50 anos de idade ou mais. São o segundo grupo mais envelhecido da classe docente. Em Portugal o ensino pré-escolar é facultativo, mas no mundo inteiro há 175 milhões de crianças em idade escolar que não estão matriculadas.

Liberdade
Um estudo coordenado pelo think tank Policy Studies Institute concluiu que as crianças portuguesas são das que têm menos liberdade no dia a dia. Em 16 países analisados, Portugal surge em 14.º lugar a par da Itália e só atrás da África do Sul. A raiz do problema está, segundo especialistas, na crise de natalidade em Portugal. Os pais agarram-se ao filho único.

Textos originalmente publicados no Expresso de 27 de julho de 2019

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