Sociedade

Empresa do kit com material inflamável distribuído por aldeias foi criada com fins de “turismo de natureza”

Golas foram distribuídas pela Proteção Civil. Material tem componentes inflamáveis

Empresa do kit com material inflamável distribuído por aldeias foi criada com fins de “turismo de natureza”

Liliana Coelho

Jornalista

A Foxtrot Aventura, que forneceu golas antifumo e kits de autoproteção no âmbito do programa “Aldeias Seguras” , apelida-se como uma empresa com fins de turismo de natureza e exploração de parque de campismo e caravanismo. No site da empresa, sediada em Fafe, pode ler-se que com base numa “equipa jovem e experiente” se propõe a organizar “todos os tipos de eventos de aventura desportiva”, uma área que em nada está relacionada com os produtos fornecidos para o programa da Proteção Civil.

No total, a empresa já vendeu 267 mil euros em golas e kits destinados para a sensibilização e proteção para incêndios. O primeiro contrato entre a Foxtrot e a Proteção Civil remonta a 13 de junho, quando foram vendidas 70 mil golas por 102,2 euros (sem IVA).

A TVI24 refere que a empresa foi fundada a 18 de dezembro de 2017, dois meses após a criação do programa “Aldeias Seguras”.

Em declarações à Lusa, a empresa fornecedora do material utilizado na campanha “Aldeia Segura - Pessoas Seguras” admitoi que o mesmo não está preparado para combate aos incêndios, mas o pedido por parte da ANPC não foi feito também nesse sentido. “O que posso dizer é que o equipamento não é para ser utilizado no combate aos incêndios”, afirmou Ricardo Fernandes.

“Existem claramente kits melhores no mercado”

Ao Expresso, o diretor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, Xavier Viegas, admitiu que as golas não devem ser usadas nos combates aos fogos, sublinhando que não filtram partículas e que só são mais benéficas contra a radiação solar.

“A gola é uma espécie de saco sem fundo, onde se enfia a cabeça e que serve para proteger também a região da nuca. Não servirá para atravessar o fumo, muito menos para utilizar no teatro das operações, mas possibilita alguma proteção em termos de radiação”, explica Xavier Viegas, acrescentando que o kit de autoproteção inclui uma máscara que é mais eficaz porque filtra partículas.

Segundo o especialista, o objeto protege também de alguma forma a pele – que sofre queimaduras frequentes durante os incêndios –, mas frisa que isso não quer dizer que o material dessa peça 100% poliester ofereça o melhor tipo de proteção. “Existem claramente kits melhores no mercado, custam cerca de 80 euros, enquanto este custa aproximadamente 15 euros. Mas como o programa envolve muitas pessoas é complicado”, observa Xavier Viegas.

Questionado sobre se a oferta destes kits com objetos inflamáveis demonstra algum 'amadorismo', Xavier Viegas reconhece que “há muitas coisas a melhorar” nesta área, incluindo o programa que se destina à sensibilização de milhares de pessoas em várias aldeias.

Esta sexta-feira, o “Jornal de Notícias” noticiou que 70 mil golas antifumo fabricadas com material inflamável e sem tratamento anticarbonização foram entregues pela Proteção Civil no âmbito do programa, que abrange quase duas mil aldeias.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: lpcoelho@expresso.impresa.pt

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