Sociedade

Há uma minoria que está a crescer em Portugal: gente desesperada com o vício do jogo online. “E não há cura” (mas há tratamento)

Há uma minoria que está a crescer em Portugal: gente desesperada com o vício do jogo online. “E não há cura” (mas há tratamento)
reuters

É fácil ligar um computador e aceder a uma página de apostas desportivas ou a um casino online. Basta ter ligação à internet. Hoje joga-se mais, cada vez mais. Só no último ano 125 mil portugueses tornaram-se jogadores. Consequentemente, há mais gente que não consegue controlar o quanto gasta ou o tempo que passa em frente ao ecrã a jogar. De repente, e são números oficiais, há cada vez mais pessoas a pedir para que o acesso a estes jogos lhes seja barrado - não conseguem parar. E trata-se de pessoas normalmente com boas habilitações e emprego. Portanto, como se ajuda alguém que chega a este limite? Pedro Hubert, psicólogo e coordenador do Instituto de Apoio ao Jogador, tem tratado pessoas assim

Há uma minoria que está a crescer em Portugal: gente desesperada com o vício do jogo online. “E não há cura” (mas há tratamento)

Marta Gonçalves

Coordenadora de Multimédia

Como se explica que no último ano tenha aumentado em 70% o número de pedidos de autoexclusão (jogadores que apelam para que o acesso a estes jogos lhes seja barrado)?
O jogo online tem uma série de atrativos que o jogo físico não tem: diversidade, acessível sempre, confiança nos sites e nas transações financeiras, o histórico e o imediatismo. Pode-se jogar muita coisa a qualquer hora. Isto, associado à cultura, à facilidade de acesso à internet nas camadas mais jovens e à publicidade, explica o boom muito grande de jogadores online. E dentro deste grande aumento de jogadores online - que é fenómeno mundial - é normal que a minoria de pessoas com problemas de jogo também aumente. Em Portugal, 0,6% dos adultos têm problemas de jogo - a patologia - e 1,2% têm problemas de abuso de jogo. Se há cada vez mais pessoas a jogar, é normal que esta minoria também aumente. Mas há outro factor muito importante: as ferramentas de prevenção de jogo também funcionam muito bem. Se eu tiver bem visível numa plataforma de jogo a possibilidade de autoexclusão, muitas pessoas, quando sentem que estão ter um problema, vão exercer essa mesma possibilidade, tal como há outras também para controlar as horas diárias ou semanais que se passam a jogar. Os mais novos têm mais consciência do problema de jogo.

Como funciona o mecanismo de autoexclusão?
Um pessoa que esteja inscrita nestes sites tem a possibilidade de preencher um formulário em que pede para ser impedido de jogar em determinado momento. Pode escolher ser impedido de jogar por uma semana, um mês, dois meses, seis meses, um ano ou tempo indeterminado.

Podemos traçar um perfil daquele que é o jogador online atualmente?
Sim, claro. O perfil do jogador problemático online é do sexo masculino, com cerca de 30 anos, com frequência do ensino superior, das áreas das engenharias e matemáticas, quase sempre empregados e com problemas de stress e ansiedade. Por oposição, o perfil tipo do jogador offline já tem cerca de 40 anos, menos habilitações e que tem maior dificuldade em pedir ajuda.

Quais são os jogos mais populares?
A experiência que temos no Instituto de Apoio ao Jogador não vai exatamente ao encontro com os dados do Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ). Sei que os mais jogados são as apostas desportivas, mas nas estatísticas do SRIJ há uma componente muito forte de casino online. Aqui no Instituto, 70% a 80% dos pedidos de consultas para jogo a dinheiro são online e são 90% apostas desportivas - sobretudo futebol, ténis e basquetebol. É interessante sublinhar que a maior parte dos nossos pacientes não joga nos sites nacionais, naqueles que são legais. Jogam quase todos em site internacionais - e ilegais - que têm prémios melhores e em que a autoexclusão e os mecanismos de controlo não funcionam tão bem.

Como é que se percebe que um jogador deixou de jogar recreativamente e passou a ter um vício?
Entra um bocadinho nos mesmos critérios que das outras dependências, em que as prioridades começam a ser trocadas: passam a estar menos tempo com a família, começa a jogar durante o tempo de trabalho, deixa de ter dinheiro para pagar as contas fixas do mês, gasta dinheiro que já estava destinado a outra coisa, aparecem conflitos conjugais pelo tempo despendido à frente do ecrã. É sobretudo a perda de controlo, a troca de prioridades, os conflitos, o crescente de valor gasto, a irritabilidade. São uma série de sinais para os quais é preciso estar atento.

De alguma forma é um vício semelhante a outro, como o abuso de álcool e drogas?
É um dependência e está classificado como tal por uma série de instituições, incluindo a Organização Mundial de Saúde. E, de facto, tem uma série de semelhanças com outras dependências. No entanto, tem significativas diferenças: as habilitações literárias, traços de personalidade muito virados para o poder e o controlo, estão inseridos na sociedade, são competitivos. Além disso, fisicamente não chegam ao fundo do poço como no abuso de álcool e substâncias e que, habitualmente, aderem melhor ao tratamento. Embora com algumas nuances, a base é muito semelhante de outras dependências.

Como é que se trata a dependência do jogo?
Não há cura mas há tratamento. É muito trabalhar com a família, estabelecer um contrato terapêutico em que são definidas regras de abstinência de jogo a dinheiro, monitorização do acesso ao dinheiro, rever as crenças na forma como se gasta, redefinir objetivos de vida. Por norma, começamos com dez sessões e depois continuamos com outras tantas mais espaçadas temporalmente. É sobretudo trabalhar os padrões de comportamento, sentimentos e perceber os mecanismos de defesa e os motivos que fazem disparar a vontade de jogar.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mpgoncalves@expresso.impresa.pt

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