Dar a volta ao mundo num balão era o sonho de Bertrand Piccard, que cresceu entre grandes exploradores. O avô inventou o batiscafo, uma espécie de submarino usado em grandes profundidades, e o pai foi o primeiro a descer ao ponto mais fundo nos oceanos, na Fossa das Marianas. Bertrand foi o primeiro a dar a volta ao mundo num balão em 1999. Mas só no fim dessa viagem tirou a maior lição. "Não é o céu que é o limite, é o combustível", disse esta quinta-feira, no Global Exploration Summit (GLEx), em Lisboa.
Foi isso que o levou a dar o passo seguinte: fazer o mesmo mas sem combustível. E em 2016 completou uma volta ao mundo no Solar Impulse, um avião movido a energia solar, sem combustíveis fósseis, nem poluição. "Isto não é o futuro. É o que a tecnologia já nos permite fazer hoje. Mas o mundo ainda está a viver no passado", disse Bertrand Piccard.
Em entrevista ao Expresso, o balonista suíço e fundador do projeto Solar Impulse defende que é papel dos governos fazer mais pela proteção do ambiente e pela conservação da natureza. E lembra que, pelo mundo fora, existem centenas de exemplos de negócios e soluções que respeitam o ambiente, criam emprego e geram lucro. Encontrá-los e promovê-los é uma das suas atuais missões.
Para si, o papel de um explorador científico passa por influenciar os decisores políticos a olhar mais para o ambiente. Como?
Um explorador científico tem fama, credibilidade, microfones à sua frente todos os dias e figuras políticas interessadas em conhecê-lo. O seu objetivo deve passar não por falar sobre o que já fez, mas sobre o que tem de ser feito para que o mundo se torne um lugar melhor. A exploração científica é o local perfeito para inspirar as pessoas e provar-lhes que podem fazer melhor do que pensam, explorando novas formas de pensar e novas soluções. Hoje, a exploração científica não passa por voltar à Lua, onde já fomos há 50 anos, mas sim por explorar novas soluções para combater a pobreza, promover os direitos humanos, conseguir melhores níveis de educação e saúde, uma melhor governação e proteger o ambiente.
Isso depende apenas de uma mudança de hábitos individuais ou é preciso mais?
Os governos deveriam estar mais focados no bem estar dos cidadãos, muito mais do que estão agora. Deveriam estar a lutar pela conservação da natureza, pelas energias renováveis, pela eficiência energética, por termos água e ar mais limpos, pela biodiversidade. Todas estas grandes questões estão nas suas mãos. Claro que enquanto cidadãos podemos fazer uma pequena parte. As empresas também podem contribuir. Mas nada disto é suficiente. É preciso uma ação mais abrangente que leve as pessoas na direção certa e isso cabe aos governos. Sempre que me encontro com um chefe de governo ou um ministro digo-lhe isso: este é o vosso papel.
Por que razão é que ainda vemos tão pouco a mudar?
Se os governos tivessem uma varinha mágica como nos contos de fadas, tudo seria perfeito. Mas isso não existe. É preciso descobrir novas soluções e para tal é necessário desafiar as certezas e hábitos instalados. Isso é o que as pessoas mais odeiam. Por natureza, há pessoas no mundo político e empresarial que não são exploradores. Pelo contrário, são preguiçosos, egoístas e querem apenas continuar os seus negócios tal e qual como estão, enquanto for possível. Detestam o desconhecido e o imprevisível, são exatamente o oposto de um explorador. Por isso mesmo é importante que os exploradores os inspirem e lhes mostrem que é possível terem ainda mais sucesso ao mudarem a sua mentalidade. O objetivo não é lutar contra a economia e a indústria. É mostrar que existem alternativas. Há soluções e negócios que protegem o ambiente e que ao mesmo tempo geram emprego e lucro para a economia, indústria e mundo financeiro.
Uma das suas apostas tem sido a energia solar e tem tentado mostrar o potencial na aviação. As companhias aéreas são um exemplo do que poderia mudar?
Há três formas de as companhias aéreas serem mais sustentáveis. Uma é conseguir ter mais eficiência energética, com materiais mais leves e apostando na inovação. Outra é fazer uma melhor gestão das rotas, para que sejam mais diretas, o que pouparia imensa energia. Em terceiro lugar, é preciso compensar o CO2 produzido. E isso já é possível. Se viajar dentro da Europa, em classe económica, bastam 4 euros por passageiro para compensar o carbono produzido, contribuindo com esse dinheiro para a plantação de árvores ou a transformação de centrais elétricas a carvão em centrais de energia solar, eólica ou de biomassa. Tudo isto é possível. Mas esta compensação do carbono nos voos não é obrigatória.
E deveria ser?
Sim. Mais do que obrigatória, deveriam ser as próprias companhias aéreas a assegurar essa compensação.
Deveriam ser as empresas ou os passageiros a pagar?
Devem ser as companhias aéreas a decidir como fazer, se transferem esse pagamento para os passageiros ou não. Mas sinceramente acho que deveria passar pelo passageiro e ser incluído no preço do bilhete. Para uma viagem em económica, 4 euros não é muito, são dois cafés. Isso já é possível agora, mas ainda é opcional.
Um dos seus objetivos atuais é encontrar promover 1000 soluções de negócio pelo mundo fora que sejam rentáveis e sustentáveis para o ambiente. Já vai em quantas?
Acabámos de passar as 200, em áreas como energia, água, cidades, mobilidade, agricultura e indústria. Temos especialistas a analisar start-ups e soluções, para testar se funcionam, se protegem o ambiente e se são rentáveis. Se forem, recebem um selo da Solar Impulse, reconhecendo-as como soluções eficientes. E em Portugal até já existem algumas.