Sociedade

Avança rede de apoio mental em tragédias

Avança rede de apoio mental em tragédias
FOTO RUI DUARTE SILVA

Governo criou uma estrutura nacional para garantir o acompanhamento psicológico a vítimas de catástrofes, nomeadamente de incêndios florestais, que está pronta a funcionar a partir do início de junho

O trauma causado pelo incêndio de Pedrógão Grande, que há dois anos provocou a morte a 66 pessoas, levou o Governo a montar uma rede nacional de apoio psicológico a vítimas de catástrofes. A secretária de Estado da Saúde, Raquel Duarte, anunciou ao Expresso que esta estrutura estará pronta a funcionar já no início de junho, em plena época de fogos.

O objetivo é que a população possa ter apoio imediato a nível da saúde mental e do stresse pós-traumático caso ocorra uma nova tragédia — não só incêndios florestais de grandes dimensões, mas também inundações, acidentes ou terramotos, por exemplo. O Ministério da Saúde desenhou uma estrutura de resposta organizada por equipas regionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve). Mas a escassez de recursos humanos está a dificultar a concretização. De tal forma que a secretária de Estado chamou a si a tarefa, prometendo que até ao fim deste mês contactaria pessoalmente as unidades ainda incompletas para que o processo possa ser finalizado. Falta concluir as equipas do Alentejo e Lisboa.

O psiquiatra António Leuschner, ex-presidente da Comissão de Acompanhamento de Saúde Mental — criada depois da tragédia de Pedrógão e já extinta —, desdramatiza a falta de recursos humanos: “O esquema está montado. Se me perguntarem se está tudo pronto a 100%, tenho de responder que nada está. Mas até ao fim do mês, estará.”

A nova estrutura prevê a articulação de profissionais de saúde mental de hospitais centrais, do INEM e de técnicos locais. “Estas equipas não estão nem podem estar sempre à disposição. O que se tem de oferecer é assistência permanente e de continuidade às pessoas afetadas e, quando há uma emergência, acioná-las”, explica Leuschner. E conclui: “Depois de 2017 nasceu a convicção da necessidade de montar um esquema complementar de apoio de saúde mental em todo o país para vários tipos de catástrofe. Tenho a certeza que qualquer nova tragédia terá uma resposta mais rápida e eficaz.”

De acordo com um inquérito realizado à população dos concelhos afetados pelos grandes incêndios de 2017, 40% consideraram insuficiente o apoio psicológico recebido.

O diretor do Departamento de Saúde Pública da ARS Centro, João Pedro Pimentel, explica que as equipas locais foram reforçadas depois de 2017 e não saíram do território, “estando prevista a continuidade enquanto houver necessidade”. Diz que em 2017, entre julho e dezembro, a equipa comunitária realizou 363 primeiras consultas e, no mesmo período, os psicólogos dos centros de saúde de Pedrógão, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera fizeram 904. Em 2018, o esforço manteve-se: mais 245 primeiras consultas da equipa comunitária e 1668 nos centros de saúde.

O impacto psicológico foi ainda maior nos incêndios de 15 de outubro de 2017, que vitimaram 50 pessoas. Na região atingida, uma em cada cinco mulheres e um em cada oito homens disseram estar afetados psicologicamente, sobretudo nos concelhos de Oliveira do Hospital, Arganil e Tábua.

Em Pedrógão, Ana Araújo, coordenadora da Equipa de Saúde Mental Comunitária de Leiria Norte, no terreno desde o início, diz que há pessoas que recuperaram emocionalmente, mas outros ainda estão em processo de luto, nas suas diferentes fases e com apoio médico. “A sociedade local mantém sofrimentos pois o impacto direto ou indireto nas suas vidas ainda se faz sentir intensamente, e ainda é tempo de elaboração das perdas.”

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