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O fenómeno das ‘apps’ de exercício físico e dos vídeos no YouTube. Uma boa forma de sair do sofá?

O fenómeno das ‘apps’ de exercício físico e dos vídeos no YouTube. Uma boa forma de sair do sofá?
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Portugal é um país sedentário e o efeito de novidade pode ser positivo, mas nada substitui o acompanhamento profissional. Hoje é o Dia Mundial da Actividade Física

O fenómeno das ‘apps’ de exercício físico e dos vídeos no YouTube. Uma boa forma de sair do sofá?

João Pedro Barros

Editor Online

Experimente pesquisar por “ginásio” ou “exercício” na loja de aplicações do seu telemóvel. Vai ter centenas de opções, muitas delas em português. Faça o mesmo no YouTube e o resultado será ainda mais impressionante: há propostas para todos os gostos, muitas com sotaque brasileiro (desde o “Bumbum empinadinho” até ao bem mais neutro “Os 10 melhores exercícios na musculação”), outras produzidas em Portugal, incontáveis em inglês. O telemóvel anda connosco para todo o lado e já surge como alternativa aos ginásios, para quem não tem tempo, dinheiro ou pura e simplesmente prefere fazer exercício ao ar livre. No Dia Mundial da Atividade Física, que se celebra a 6 de abril, fomos ver os prós e os contras desta solução.

Ponto de partida: a relação dos portugueses com o exercício físico não é propriamente apaixonada. Em 2010, 33% diziam fazer desporto com alguma ou muita regularidade, o que implica atividade entre uma a cinco vezes por semana. Em 2017, de acordo com o Eurobarómetro do desporto e do exercício físico, esse número desceu para 26% – pior só na Hungria, Grécia, Roménia e Bulgária.

“Sabemos que a população portuguesa é bastante inativa. As recomendações falam em 150 minutos de atividade física moderada, repartida em cinco sessões de 30 minutos, ou 75 de atividade mais vigorosa, três vezes por semana. São muito poucos os que cumprem em Portugal”, diz ao Expresso o diretor do mestrado em Atividade Física e Saúde da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, José Carlos Ribeiro.

Para 43% dos portugueses, o principal motivo do sedentarismo é a falta de tempo. E foi precisamente esse problema que esteve na origem de uma das aplicações de exercício mais bem sucedidas do mercado mundial, a Sworkit. “O Greg Coleman [presidente] e o Ben Young [diretor de inovação] eram estudantes de Gestão, pais e tinham empregos a tempo inteiro. Isso deixava-lhes muito pouco tempo para o exercício e para cuidarem deles. Os dois conceitos [das 'apps' que se fundiram na Sworkit] nasceram do mesmo problema: ‘E se eu pudesse fazer exercício a qualquer hora e em qualquer lugar, por mais pequeno que seja o tempo que tenho disponível?’”, explica Misti Cain, diretora de marketing e de experiência do consumidor da empresa.

A Sworkit oferece programas personalizados de treino e mostra em vídeo os movimentos a fazer – em 2015 era a única 'app' recomendada pelo Colégio Americano de Medicina Desportiva. A 8fit tem um sistema similar, em que se define um objetivo (perder peso, tonificar ou ganhar músculo), se insere o sexo, idade, altura e peso e uma estimativa da gordura corporal. Depois de se indicar o tempo disponível para treinar e quanto tempo se admite esperar por resultados, surge um plano. Depois, as aplicações avisam-nos que é o momento do exercício e guiam-nos no que temos de fazer. Fácil, não é?

Pois, não é assim tão simples. “O equipamento não vai fazer a atividade física por nós. A experiência diz-me que as pessoas de forma isolada nem sempre conseguem sustentar esta atividade ao longo do tempo. Há mais um efeito de novidade e experimentação. É uma forma inicial de fazer um programa regular que permita fazer alterações no estilo de vida”, nota José Carlos Ribeiro, que já publicou vários estudos sobre desporto de lazer em Portugal. O docente aconselha os interessados em iniciar atividade física regular a fazê-lo, “pelo menos numa fase inicial”, acompanhados por um profissional, mas vê benefícios na popularização das 'apps' e vídeos de exercício: se tirarem pessoas do sofá, já será bom.

Para além disso, há exercícios e exercícios. “Uma coisa é trabalhar com peso adicional, com máquinas, e isso deve ser sempre feito com acompanhamento e correção de um profissional, porque se não for assim acontece com frequência o aparecimento de lesões. Mas é possível fazer muitas práticas de forma relativamente facilitada, com o peso do próprio corpo, agachamentos, usando uma cadeira... Alguns vídeos podem substituir um professor, mas as pessoas deveriam avaliar-se a si próprias através de um espelho.”

O “personal trainer” que se tornou YouTuber

E já que falamos de vídeos, é difícil passar pelo YouTube e não reparar no canal Dicas do Salgueiro, protagonizado pelo duplo e 'personal trainer' Bruno Salgueiro e que tem mais de 300 mil subscritores. “Começou por ser uma brincadeira de amigos, apesar de bem feita, até se transformar numa empresa. Nunca pensei que fosse dar nisto. O YouTube é agora a minha ferramenta principal, estou mais focado no crescimento do canal do que em tentar ter mais alunos”, admite ao Expresso.

No canal, com um acervo de cerca de 500 vídeos produzidos ao longo de cinco anos, é possível encontrar exercícios para todas as partes do corpo e quase todos os níveis, desde iniciado até aos viciados em ginásio. Tudo com uma linguagem direta, porque Bruno Salgueiro trata sempre o público por tu e usa expressões como “não se armem em Tarzans”. O 'personal trainer' relata vários casos de pessoas que deram a volta a anos de sedentarismo graças aos vídeos do canal, mas é o primeiro a dizer que os portugueses são “preguiçosos”: “É fácil ir por aí e ver ginásios cheios todos os dias, mas esquecemo-nos de carradas de pessoas que nunca fizeram um agachamento”.

Apesar do sucesso do canal, Salgueiro reconhece que os melhores resultados surgem com o treino acompanhado, apesar de “depender do objetivo”. “Por último vem o treino em casa, conheço muitas pessoas que só em casa ou no jardim fazem grandes treinos. O que interessa é a adesão ao treino e ao plano de nutrição. A melhor dieta do mundo não funciona se não aderirmos.”

“Quero que as pessoas tenham ferramentas”, garante Bruno Salgueiro, que também recomenda aplicações como a Freeletics, que tem uma gama de exercícios “só com o peso do corpo para a malta fazer”. No entanto, no seu canal, são mesmo os vídeos com exercícios “mais sexy” e de “crossfit mais avançado” que têm mais visualizações. “Há pessoas que ainda não sabem fazer um agachamento em condições e já querem pôr a barra acima da cabeça com 100 quilos. Desde o início que acho que as bases são o mais importante, os agachamentos, as flexões, alguns passos que não se está a fazer bem. Tenho uma preocupação grande com a técnica, para evitar lesões”, frisa.

Bruno Salgueiro avisa que “90% das pesquisas no Google descambam na charlatanice”, pelo que há que ter espírito crítico. Não há desculpas para quem quer cumprir com o mínimo de atividade física recomendada para uma vida saudável, nem mesmo os custos (apesar de algumas 'apps', como a Sworkit, só oferecerem um mês de conteúdos gratuitos ). Porém, até para seguir um plano de uma 'app' ou de um canal do YouTube convém mostrá-lo a um profissional que avalize a opção.

José Carlos Ribeiro lembra que grande parte dos telemóveis atuais possui uma série de funcionalidades que permitem monitorizar a atividade física, nomeadamente corrida. Mas, mesmo que não tenhamos capacidade para esse ritmo, é recomendado que façamos 10 mil passos por dia, nem que seja para ir às compras ou ao trabalho. “Digo sempre às pessoas que primeiro tem de sair do sofá e depois tentar chegar ao final a correr.” Se as 'apps' e vídeos de exercício têm uma virtude, ela é a de chamar a atenção para a importância da atividade física.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jpbarros@expresso.impresa.pt

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