O Conselho Superior da Magistratura (CSM) não vai abrir novo inquérito ao juiz Neto Moura, depois do acórdão ontem noticiado pelo Público, em que o desembargador retirou a pulseira eletrónica a um agressor de violência doméstica que furou o tímpano da vítima e disse que "a mais banal discussão ou desavença é logo considerada violência doméstica".
Em resposta ao Expresso, o CSM diz que se trata de "matéria de âmbito jurisdicional - em que está em causa a decisão de um juiz" pelo que o CSM não tem "competência, por força da Constituição e da Lei para interferir em decisões dos magistrados judiciais".
O CSM cita o artigo 203 da Constituição - no qual é definido que o poder judicial é independente e que apenas se sujeita à lei, estabelecendo ainda que a independência dos tribunais significa igualmente a independência dos titulares destes órgãos - e também o Estatuto dos Magistrados Judiciais onde é determinado o princípio da independência dos juízes
"O artigo 216.º, n.º 2 da CRP [Constituição da República Portuguesa] determina que "os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as exceções consignadas na lei". É, por isso, a própria Constituição que salvaguarda a independência dos juízes ao determinar que as suas decisões só possam ser contestadas por via de recurso para tribunal superior e não por qualquer outro meio", lê-se na nota enviada ao Expresso.
No início deste mês, numa decisão inédita, o CSM sancionou Neto Moura com uma advertência registado por o juiz ter, num acórdão, censurado uma vítima de violência doméstica por esta ter sido infiel.
Em causa está um acórdão da Relação do Porto, de 11 de outubro de 2017, no qual Neto de Moura, o juiz relator, censura a vítima de violência doméstica por ter sido infiel. No acórdão, o magistrado cita a Bíblia e o Código Penal de 1886 para justificar a violência sobre a mulher. “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte”, escreveu Neto de Moura na sentença.
O juiz Neto de Moura era o relator do polémico acórdão e era alvo de uma violação de de dever de correção e de persecução do interesse público na vertente de atuar na confiança da justiça. Já a magistrada Maria Luísa Arantes, a juiza que assina o documento, estava a ser investigada por violação do dever de zelo.
Críticas públicas
Na altura em que o caso foi tornando público, mereceu repúdio de Marcelo Rebelo de Sousa, do Parlamento, Governo e até da Conferência Episcopal Portuguesa, e acusações diretas de desrespeito à Constituição, quanto à laicidade do Estado, da dignidade da pessoa humana, da igualdade entre homens e mulheres e da não discriminação.
Mas um grupo de juízes, na maioria jubilados, fez também um manifesto a atacar a condenação generalizada ao acórdão de Neto de Moura. O texto era uma crítica à atuação do CSM, depois de ter sido aberto o processo disciplinar ao magistrado aos magistrados.
Esta não foi, no entanto, a primeira vez que Neto Moura desculpou a violência doméstica com o “adultério” de uma vítima. Num acórdão de junho de 2016, no qual o arguido recorre da condenação com pena suspensa, o juiz relator escreveu: “uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral”. E daí “não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos”.
Também aí se socorreu da bíblia: “Assim é o caminho de uma mulher adúltera: ela comeu e esfregou a boca, e disse: "Não cometi nenhum agravo" (Provérbios 30:20). E, ainda, esta do sábio rei Salomão: "Quem comete adultério .. . é falto de boa motivação" (Provérbios 6:32).”
Neto de Moura deu provimento ao recurso e anulou a sentença de primeira instância. E através do adultério ficou com dúvidas sobre a veracidade das acusações. “Que pensar da mulher que troca mensagens com o amante e lhe diz que quer ir jantar só com ele "para no fim me dares a subremesa"? Isto, está bem de ver, enquanto o companheiro ficaria a cuidar dos filhos menores do casal... É merecedora de um juízo tão generoso, como o que o tribunal fez da denunciante, a mulher que, referindo-se ao companheiro, diz que estava "debaixo da pata dele"?”
O magistrado recorreu da condenação.