Sociedade

Vamos procurar emprego ou é o emprego que nos vai procurar?

Vamos procurar  emprego ou é o emprego que nos vai procurar?

A escassez de talento está a mudar a forma como as empresas contratam. No futuro, nem todos terão de procurar emprego

Vamos procurar  emprego ou é o emprego que nos vai procurar?

Cátia Mateus

Jornalista

Com a taxa de desemprego nacional a caminhar para níveis estruturais, a escassez de talento no mercado a agravar-se em sectores estratégicos — como as tecnologias, algumas engenharias e até a indústria —, com o recurso crescente a soluções de inteligência artificial para acelerar os processos de contratação e a economia das plataformas a ganhar escala a nível global, as práticas de recrutamento tradicionais podem ter os dias contados. Quer isto dizer que no futuro vamos deixar de procurar emprego e vai ser o emprego a procurar-nos? Não é futuro, é já presente. Está a acontecer, pelo menos entre os profissionais mais qualificados.

Desde 2016 que a clivagem entre as intenções de contratação das empresas e a disponibilidade dos profissionais qualificados para uma mudança de emprego se tem agravado. Um levantamento realizado em Portugal pela consultora de recrutamento Hays junto de 600 empregadores nacionais demonstra que no último ano, 65% dos empregadores tiveram de recrutar pessoas pouco adequadas às oportunidades que tinham em aberto e 41% desistiram mesmo de processos de recrutamento por não terem encontrado no mercado talento qualificado. As perspetivas para este ano não alteram muito este quadro: 82% dos empregadores querem contratar, mas só 70% dos 3100 profissionais inquiridos pela consultora se dizem disponíveis para aceitar novos desafios de carreira.

Esta disparidade não é característica apenas do mercado nacional. A consultora identifica-a também noutros países. A escassez de talento é um problema global e inaugurou um novo paradigma nas práticas de recrutamento das empresas e na forma como estas identificam talento para funções vitais no negócio. Já não chega analisar os currículos de candidatos a emprego recebidos, é preciso procurar os profissionais certos mesmo (ou sobretudo) junto dos que não estão ativamente à procura de uma mudança de carreira. Paula Baptista, diretora-geral da Hays Portugal, chama-lhe “um mercado liderado pelo candidato”, onde vale quase tudo para atrair os melhores.

Na mira dos recrutadores

As plataformas sociais de âmbito profissional como LinkedIn ou outras da designada economia das plataformas, que agregam milhares de portefólios profissionais, são o palco privilegiado para esta pesquisa de talento. Há departamentos de recursos humanos, em áreas de atividade onde a escassez de profissionais qualificados é mais crítica, que criaram equipas especializadas para, em permanência, identificarem potenciais contratações no mercado ou em empresas concorrentes.

O recurso a soluções de inteligência artificial é um forte aliado. Através de algoritmos e sistemas de machine learning, programados pelas empresas, é possível diminuir significativamente o tempo desta pesquisa e ampliar muito os resultados gerados. Mas também aqui o novo contexto impõe mudanças, desta vez para os profissionais. Para se posicionarem nos radares dos empregadores, os profissionais têm de construir os seus currículos sociais utilizando palavras-chave críticas às funções que querem desempenhar. Esta é a forma de estarem permanentemente no radar das empresas.

Neste contexto fortemente concorrencial em que as empresas competem entre si pelos melhores, não chega às organizações perceber quem são os profissionais que querem atrair e o que eles procuram num empregador. É necessário oferecer-lhes uma proposta de valor e benefícios suficientemente aliciante para os levar a mudar. E para os especialistas, estes aliciantes terão forçosamente de ser personalizados e definidos caso a caso. O tempo dos pacotes genéricos em vigor para todos os profissionais da empresa está ultrapassado. Pelo menos se as empresas quiserem contratar os melhores.

As principais alterações dos processos de recrutamento ocorrerão na contratação de profissionais qualificados. Nos perfis mais indiferenciados, ainda que a tecnologia possa ditar mudanças nos processos de seleção, é pouco previsível que os candidatos possam deixar de procurar emprego. Já entre os mais qualificados, quanto maior for o seu potencial diferenciador, menor a necessidade de bater à porta dos empregadores.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cmateus@expresso.impresa.pt

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