Quer saber quando vai morrer?

Investigadores da Universidade da Califórnia criaram um teste para prever a idade da morte. Mas os especialistas em genética humana alertam: a resposta não está só no ADN
Investigadores da Universidade da Califórnia criaram um teste para prever a idade da morte. Mas os especialistas em genética humana alertam: a resposta não está só no ADN
Jornalista
Se dentro de um envelope estivesse o número de anos de vida que tem pela frente, capaz de influenciar decisões como ter um filho, mudar de emprego, comprar uma casa ou fazer uma viagem, quereria abri-lo? É que uma equipa de investigadores coordenados por Steve Horvath, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), desenvolveu um teste para avaliar se uma pessoa está ou não a envelhecer demasiado depressa, estimando o tempo de vida que lhe resta. Falta saber se a resposta pode ser dada com tanta certeza — e se alguém a quer conhecer.
“A previsão é baseada numa amostra de sangue, na qual se medem as modificações epigenéticas da molécula de ADN”, explica ao Expresso Steve Horvath, bioestatístico e professor na UCLA, que há oito anos desenvolve o chamado ‘relógio epigenético’ (ver entrevista).
À medida que envelhecemos há genes que se vão ‘silenciando’ e é isso que o teste procura medir. Como não envelhecemos todos da mesma maneira, a idade do organismo (epigenética ou biológica) não corresponde necessariamente à cronológica, ou seja, à que consta no Bilhete de Identidade. Por exemplo, os indicadores físicos de Cristiano Ronaldo revelam que a sua idade epigenética é cerca de dez anos inferior à sua idade real.
Se a idade epigenética for sete ou oito anos mais alta que a idade real, o risco de morrer mais cedo duplica. Se for mais baixa, reduz-se para metade. Foi o que concluíram os investigadores que recentemente analisaram amostras de sangue de 13 mil pessoas de quem conheciam a data da morte, o que permitiu avaliar a precisão do teste. “O método já pode ser usado em testes forenses”, diz Horvath.
Só que os especialistas em genética apontam limites a esta análise. Um deles é o facto de se basear no passado para dar informação sobre o futuro — que será sempre imprevisível. “A idade epigenética de cada pessoa tem a ver com as experiências pelas quais passou e aquilo a que esteve exposta, seja o seu estilo de vida, alimentação, infeções, entre outros. Nada nos diz sobre aquilo a que vamos estar expostos e o que vamos viver daqui para a frente”, defende João Lavinha, investigador do departamento de genética humana do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA).
Para o investigador, a novidade deste estudo é basear-se nas marcas do genoma, mas deverá servir mais como um instrumento para analisar a longevidade e “não como um horóscopo”. Designar este algoritmo como um preditor da morte é “abusivo”, defende. “Não me parece que um relógio tão sujeito a influências biológicas, sociológicas ou comportamentais, possa ser um preditor.” Até porque, frisa, há artigos científicos que apontam para a possibilidade de a idade epigenética estabilizar ou até regredir.
José Rueff, diretor do Centro de Investigação em Genética Molecular Humana da Universidade Nova de Lisboa, concorda. “O que determina o processo de envelhecimento e a probabilidade de morte é o conjunto de fatores ambientais — alimentação, poluição ou estilos de vida — e o que é intrínseco do genoma.” A genética é só um entre outros fatores e a abordagem de Horvath baseia-se “numa de várias leituras” do ADN, explica. Por isso, é “temerário” tirar ilações sobre o tempo de vida partindo só deste teste: “Seria uma insensatez total se uma seguradora definisse uma taxa mais alta ou mais baixa com base nesta análise. É claro que já se discute se as empresas vão passar a querer ver o grau de metilação, mas tem de haver prudência até do ponto de vista ético”, alerta.
Nos EUA, até já há uma seguradora que introduziu o teste baseado na saliva para avaliar potenciais clientes. “A área de investigação sobre a longevidade esperada tem um grande valor para os serviços de saúde, sistemas de pensões ou seguradoras”, diz João Lavinha.
É a pensar no número de anos de vida que achamos ter pela frente que tomamos as grandes decisões. “Ter ou não filhos, comprar um carro ou fazer uma poupança baseiam-se na idade prospetiva e não na cronológica. Se tenho um filho aos 40 anos é porque acredito que o vou poder acompanhar até ser adulto”, aponta a demógrafa Maria Filomena Mendes. E até agora a esperança média de vida tem sido a única referência. “Acredito, no entanto, que a evolução da ciência e tecnologia vá mudar radicalmente o mundo como o conhecemos.”
Saber o tempo de vida que nos resta pode “fazer sentido” em casos em que o risco de morte é elevado, devido a uma doença sem tratamento, ou para ajudar a decidir em que momento se deve ‘baixar as armas’ e optar por cuidados paliativos, defende o psiquiatra António Leuschner, presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental. “De resto, acho que há coisas que devem estar sujeitas a um princípio de incerteza. E uma delas é o nosso tempo de vida. Se até os determinantes genéticos estão sujeitos à influência do meio, é um erro acreditarmos que estamos geneticamente determinados”, diz.
“Há uma coisa certa para todos nós: saber que um dia vamos morrer. E há uma incerta: saber quando. Só que aprendemos a viver nessa incerteza latente com alguma paz”, afirma António Leuschner, que não acredita que nas próximas décadas seja possível prever com certeza a idade da morte. “Mas se vier a ser possível, diria que era desejável não saber.”
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