Sociedade

O cancro da próstata não apresenta sintomas

Este mês realizam-se em várias partes do mundo ações do Movember, movimento para angariar fundos para homens com cancro da próstata. A principal característica destes acontecimentos é o facto de as pessoas colocarem um bigode falso, como Nelly Ivanova, numa corrida em Londres
Este mês realizam-se em várias partes do mundo ações do Movember, movimento para angariar fundos para homens com cancro da próstata. A principal característica destes acontecimentos é o facto de as pessoas colocarem um bigode falso, como Nelly Ivanova, numa corrida em Londres
Getty Images

Prevenção: novembro é o mês da sensibilização para o diagnóstico precoce de doenças da próstata, do testículo e de disfunções sexuais. Portugal, onde só este ano terão surgido mais de 6600 novos casos de cancro da próstata, não é exceção

Cristina Bernardo Silva

Quando o cancro da próstata apresenta sintomas está numa fase tão avançada que o primeiro a surgir é, por vezes, uma fratura de um osso, por metástase. A explicação é do presidente da Associação Portuguesa de Urologia, Luís Abranches Monteiro, a propósito da campanha que promove este mês, com vista a acabar de vez com algumas ideias erradas sobre as doenças que afetam os homens. “

O cancro da próstata não apresenta sintomas locais a não ser em fases já muito tardias da doença”, alerta o urologista, acrescentando que são as doenças benignas da próstata as que produzem, habitualmente, sintomas. Daí que a vigilância anual deva começar a partir dos 50 anos. Caso exista uma história familiar da doença, a vigilância deve começar logo a partir dos 45 anos.

Foi por ter antecedentes familiares que Joaquim da Cruz Domingos, hoje com 79 anos, passou a fazer regularmente exames de vigia a partir dos “50 e poucos anos”. Quase duas décadas mais tarde, recebeu a notícia para a qual ninguém está preparado: a palpação e uma análise ao sangue (PSA) tinham levantado suspeitas de que pudesse ter cancro. “Na altura, o meu urologista mandou-me fazer uma biopsia que se revelou positiva. Antes disso, nunca tive sintomas”, garante Joaquim Domingos, atualmente presidente da direção da Associação Portuguesa de Doentes da Próstata.

Num país cada vez mais envelhecido como é Portugal, o aumento do número de casos de cancro da próstata — uma doença que mata “principalmente na sexta ou sétima década de vida” – não surpreende Luís Abranches Monteiro. “Até há 20 anos, era excecional que as pessoas vivessem mais do que 75 anos, mas agora a norma é viverem mais de 80. Portanto, há mais casos de cancro da próstata, tal como há mais demências, porque as pessoas vivem mais tempo”, esclarece.

Em Portugal, três quartos dos homens com mais de 80 anos têm cancro da próstata. Isto “não significa que a doença venha a fazer perigar a sua vida e, muito menos, que venham a morrer dela”, ressalva o urologista. O cancro “está lá, mas mais de 99% dos cancros que surgem depois dos 80 anos não crescem de forma suficientemente rápida para produzirem sintomas ou metástases, uma vez que isso pode demorar mais de 20 anos”. Portanto, “e se estivermos a falar de um homem com 80 anos, ele teria de viver até aos 100 para morrer da doença”. Nestes casos, “a morte é a exceção”, assegura o médico, para acrescentar que estes doentes acabam por morrer de outras causas. “Há uma pequena percentagem de homens que morre da doença, mas quando o cancro surgiu quando tinham 65 ou 70 anos, e que não foi diagnosticado antes pois a pessoa não foi ao médico.”

Além de reforçar a importância da prevenção e da deteção precoce, a campanha “Mês de Alerta para as Doenças do Homem 2018”, que termina no final deste mês, serve também para “acabar com alguns tabus”. No caso do cancro da próstata, e apesar de estarem cada vez menos vincados, Luís Abranches Monteiro identifica dois: o receio de “uma exploração transretal no exame físico” e a ideia de que “todos os tratamentos do cancro da próstata vão produzir impotência sexual”. “Nos tratamentos da próstata benigna, mesmo cirúrgicos, a disfunção erétil e a incontinência são absolutamente excecionais”, garante o médico. Já quando o tumor é maligno e é preciso retirar a totalidade da próstata, “cerca de metade dos homens fica sem ereções ou com ereções de uma qualidade pouco satisfatória para terem relações sexuais”.

De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2016, morreram 1837 homens devido a cancro da próstata, o equivalente a 3,3% da mortalidade de homens no país. Cerca de 94% dos óbitos por cancro da próstata foram de pessoas com 65 ou mais anos. A idade média dos homens que morreram desta doença foi de 80,6 anos.

Cancro aos 20 anos
Mas a campanha tem ainda como objetivo alertar para as disfunções sexuais e para o cancro do testículo — uma doença que afeta jovens, “muitas vezes, até abaixo dos 20 anos”. Ao contrário, por exemplo, do cancro da próstata, os tumores do testículo podem ser detetados pelo próprio doente, razão pela qual o autoexame é importante. “É preciso que os jovens conheçam relativamente bem a anatomia normal dos seus testículos para que um dia, se qualquer coisa não estiver bem, irem ao médico ver se existe um problema”. Embora raro, o cancro do testículo é mais prevalente entre os 15 e 34 anos. Representa entre 1% e 2% dos cancros no homem, mas é altamente curável em mais de 95% dos casos.

Mitos das doenças dos homens

Cancro da próstata tem uma taxa de mortalidade elevada
Só este ano, estima-se que surjam 6600 novos casos em Portugal. No entanto, a grande maioria dos doentes não irá morrer devido à doença, que, ainda assim, mata cerca de 1800 pessoas por ano em Portugal.

Só pode ser cancro da próstata
A grande maioria dos tumores da próstata é benigna e dá origem a muitas queixas urinárias, algo que não sucede quando se trata de cancro, principalmente em fases iniciais.

Cirurgias da próstata resultam em disfunção erétil
As cirurgias de tumores benignos realizam-se longe dos mecanismos de ereção. Já a cirurgia curativa do cancro da próstata implica a remoção total da glândula, pelo que pode haver interferência na função erétil.

Não há sexo depois do cancro da próstata
Hoje em dia é possível garantir que a maioria dos doentes retoma uma vida sexual gratificante.

Tenho um PSA elevado, tenho cancro
Este marcador pode aumentar com todas as doenças da próstata, incluindo uma simples inflamação, um traumatismo ou um tumor benigno.

Texto originalmente publicado no Expresso de 17 de novembro de 2018

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate