E
ntra na sala, os óculos, a afabilidade, o sorriso de sempre. Mas há um elemento novo, um caderninho que pousa na mesa antes de iniciar a conversa. “Você desculpe, agora tem de ser assim.” E foi. Escreveu muitas palavras a fim de as descodificar devidamente, algumas só para ter a certeza, que isso de errar não está no seu ADN. Manuel Sobrinho Simões, patologista português, em 2016 eleito pelos pares o mais influente do mundo, autoridade no cancro da tiroide, tem 70 anos e vai a caminho dos 71, mas ainda não assumiu a reforma. “Não a ponho na biografia”, diz. Nem a inscreve no quotidiano, continuando a ir todos os dias para o seu escritório no IPATIMUP, o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto que fundou há quase 30 anos e que é um dos centros de excelência mundiais no que toca à investigação do cancro. É nessa paisagem que nos recebe, não fosse um homem de hábitos — que, no entanto, nunca ficou no mesmo lugar. Casado com a pediatra Maria Augusta Areias, pai de três e avô de seis, domina “o paleio” biológico mas sabe, cada vez mais, que não é isso o que o define. Afinal, quem é? Um homem com medo, racional e emotivo, “competitivo e orgulhoso”, “a ver a descida”, a aprender a descer, que valoriza mais as chegadas do que as partidas, que procura — e encontrou — uma forma de eternidade. E que, pragmático, vira para si mesmo a pergunta: “Para quê?”
Para que serve esse caderno?
Agora ando sempre com ele atrás. Por causa da minha chatice. Como sabe, tive um AVC.
E tê-lo ajuda-o de que forma?
Ajuda-me a separar as sílabas de certas palavras. Por exemplo, só consigo dizer ‘sussurrar’ ou ‘helicóptero’ se o escrever. Na verdade, poderia não ter o caderno, mas faço gosto de ter. É uma forma de disclosure: meus amigos, eu tive esta chatice, não sou um atrasado. Tenho só mais dificuldade.
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