“Uma operação como esta não termina com a chegada à superfície”
André Sougarret, coordenador do salvamento de 33 mineiros chilenos em 2010, fala ao Expresso sobre os acontecimentos na Tailândia
André Sougarret, coordenador do salvamento de 33 mineiros chilenos em 2010, fala ao Expresso sobre os acontecimentos na Tailândia
Jornalista
Entre 5 de agosto e 13 de outubro de 2010 o mundo acompanhou com a respiração em suspenso o destino de 33 homens confinados na mina de San José, no deserto de Atacama, no Chile. Presos 700 metros abaixo da terra, os mineiros lutaram pela vida e pela manutenção da lucidez. Conseguiram. Por trás desta tarefa esteve André Sougarret, engenheiro, pai de três filhas. Foram 69 dias com os olhos do mundo sobre ele e em que o futuro de 33 homens dependeu das suas decisões. Com um prognóstico de 1% de ter êxito, conseguiu retirar os mineiros, um a um, puxados por um elevador, dentro de uma cápsula de aço. Agora, Sougarret, 54 anos, assiste à distância ao drama das crianças tailandesas, preocupado, sobretudo, com as condições psicológicas dos 12 rapazes e do treinador.
O tempo é o fator determinante em operações de salvamento como a que liderou em 2010 e a das crianças tailandesas?
Os dois casos têm grandes semelhanças e diferenças. A maior distinção é que na Tailândia trata-se de crianças, enquanto em Atacama eram adultos. Do ponto de vista físico e psicológico, a idade faz grande diferença, sobretudo quando quem orienta os salvamentos precisa de tempo para decidir. É importante que as pessoas que temos de resgatar estejam bem física e psicologicamente. Conversei muito com os mineiros, expliquei-lhes que aquela era uma operação complexa. O tempo é determinante, mas depois de se estabelecer o contacto com quem está preso, mais determinante é manter as expectativas positivas.
No caso dos mineiros ficou célebre a cápsula que os trouxe à superfície. Porque não se usa o mesmo mecanismo na Tailândia?
Só conheço o caso pela comunicação social, não fui chamado a ajudar, mas tenho visto que há uma grande estrutura de apoio, excelentes profissionais envolvidos e se não recorrem a este método é porque não é viável. A distância a que estão da superfície é fundamental e parece-me que na Tailândia há uma enorme diferença para a mina em Atacama: enquanto nós não podíamos chegar aos mineiros, as crianças já têm pessoas especializadas com elas. Já receberam ajuda médica e alimentar. No Chile sabíamos que a operação demoraria cerca de três meses e até fomos mais rápidos. Mas há que considerar que os mineiros estão acostumados a estar sob a terra e tenho receio pela força mental das crianças.
Qual é o seu conselho para a operação na Tailândia?
Esperar. O resgate é muito delicado e o mais prudente parece ser aguardar que o nível das águas diminua e as crianças possam sair sem necessitar de um mergulho tão prolongado.
No caso das crianças, o treinador é um líder claro. Facilita?
Na minha relação com os mineiros de Atacama, o que mais me impressionou foi justamente o estabelecimento da liderança no grupo. A existência de um líder facilita muito quem coordena as operações. E este grupo já tem um líder e, além disso, tem muito apoio de pessoal competente.
Sublinha sempre os aspetos psicológicos. São determinantes?
Sem dúvida, tanto quanto os aspetos técnicos. Manter a lucidez é fundamental.
Teve medo de fracassar em Atacama?
Houve momentos em que alguns mineiros acharam que o resgate estava a ser demasiado lento e tivemos receio que tomassem decisões desesperadas para tentar sair de forma mais rápida. Recorremos a colegas de trabalho que estavam à superfície e que eles respeitavam, o que resultou de forma positiva.
Está otimista quanto ao resultado do resgate das crianças?
Sim, estou, sobretudo porque já foi possível alcançá-las.
Depois de regressarem à superfície, muitos dos mineiros resgatados enfrentaram problemas de ordem psicológica. O salvamento destas crianças não vai acabar à porta da gruta?
É muito importante ter consciência desta realidade. Uma operação como esta não termina com a chegada à superfície. Os mineiros pensaram que a vida deles estava resolvida e depois perceberam que não estava. Não é fácil.
O que mudou na sua vida depois do salvamento dos mineiros?
A consciência da importância do trabalho de equipa, da coordenação de muitos participantes, todos como mesmo objetivo. E a certeza de que mesmo um problema muito complexo pode ser resolvido.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: CAMartins@expresso.impresa.pt