Sociedade

Carolina Michaelis, uma alemã apaixonada por Portugal

Carolina Michaelis, uma alemã apaixonada por Portugal

De menina precoce a filóloga consagrada, foi a primeira mulher a ensinar numa universidade portuguesa e uma das duas primeiras a entrar na Academia de Ciências. Nasceu na Alemanha, mas tornou-se portuguesa. Personagens famosas no seu tempo e praticamente esquecidas, umas menos outras mais, é do que trata esta rubrica de pequenas biografias

Será portuguesa por casamento, por amor a um homem que a levou a apaixonar-se pelo país. Sobredotada em menina, foi a primeira professora do ensino superior em Portugal, numa altura em que o número de alunas em Coimbra não chegava ao meio por cento do total. Será dona de casa, esposa, mãe, avó, amiga, defensora dos direitos das mulheres, correspondente de eruditos europeus, professora, investigadora, escritora… há de queixar-se por o seu dia não ter 36 horas.

Wilhelme Michaëlis de solteira, Vasconcelos quando casada, Carolina nasceu a 15 de março de 1851 em Berlim. A mãe, Henriette Louise Lobeck, morreu quando ela tinha 12 anos. Educaram-na o pai Gustav Michaelis, professor liceal de matemática e, mais tarde, de fonética e estenografia na universidade; o filólogo Eduard Matzner; e Carl Goldbeck, o mestre que a orientou em casa, dos 16 aos 25 anos, porque o ensino superior era exclusivo do sexo masculino.

Aos 14 anos, aproveitou umas férias para se entreter na comparação de duas versões do Novo Testamento, uma castelhana e outra alemã. No regresso ao colégio feminino municipal Luisenschule, onde estudava desde os 7, apresentou uma gramática da língua castelhana, acrescida de um rol de vocábulos com correspondência em francês e italiano. Até esse verão só estudara línguas e literaturas germânicas, eslavas, semíticas, o provençal, o francês antigo... Mais tarde, apurou o castelhano e aprendeu catalão e português.

O seu objetivo na vida era estudar: aos 16 anos já escrevia para revistas especializadas sobre filologia e literatura espanhola e italiana; aos 19 recebeu uma carta do escritor e professor Gaston Paris a perguntar onde aprendera ela aquilo que os estudiosos como ele não sabiam, apesar de percorrerem esse caminho há mais de uma dezena de anos.

Não completara há muito os 20 de idade quando a sua vida estremeceu. Tradutora e intérprete para assuntos da Península Ibérica, no Ministério do Interior alemão, colaborava na Revista Bibliografia Crítica e Literária, dirigida por Francisca Adolfo Coelho, na qual acompanhou a controvérsia sobre a tradução de “Fausto”, de Goethe, por António Feliciano Castilho. Sobre esta escreveria, num semanário berlinense, dizendo que em Portugal começavam a aparecer críticas arrojadas contra a mediocridade reinante.

Tinha-se apaixonado por um dos críticos, com quem iniciara uma ativa troca de cartas: Joaquim de Vasconcelos, mais velho dois anos, admirador da cultura germânica e que também se deixou arrebatar, dispondo-se a ir ao seu encontro com tanta determinação que, na falta de comboios, parados devido à terceira guerra carlista, atravessou os Pirinéus a cavalo. Em Berlim falou-se da façanha, realizando-se o matrimónio nesse mesmo ano de 1876. O casal, porém, escolheu a cidade natal de Vasconcelos para morar.

Os primeiros meses da gravidez passou-os em Lisboa, na Biblioteca do Palácio da Ajuda, a compilar elementos para uma das suas grandes obras, o “Cancioneiro da Ajuda“, que levou 24 anos a concluir. Quando Carlos Joaquim Michaëlis de Vasconcelos fez três anos, em 1880, voltou a dedicar-se à escrita, começou a ganhar cada vez maior respeito entre o meio intelectual e só parou no dia 1 de novembro de 1925, vencida por um cancro no útero.

“Meses felizes na empresa de decifrar e compilar com paixão e paciência essas páginas seis vezes seculares”, diria Carolina, que nos últimos anos de vida manteve a sua figura franzina e o ar distinto.

Nomeada em 1911, por distinção, docente de Filologia Germânica da Universidade de Lisboa, pediu transferência para uma escola mais perto do Porto, cidade onde estava por inaugurar a universidade, e foi colocada em Coimbra. No ano seguinte, a 19 de janeiro, ali a receberam solenemente. Chegará a reger de uma vez cinco cursos distintos: dois de Filologia (Românica e Portuguesa) e três de Língua e Literatura Alemã.

Nesse mesmo ano de 1912, Carolina foi eleita por mérito, juntamente com Maria Amália Vaz de Carvalho, para a Academia de Ciências de Lisboa: são as primeiras mulheres a entrar nesse mundo de homens.

Carolina tinha cinco irmãos, entre os quais Henriette, lexicógrafa, autora dos primeiros dicionários Michaelis, apelido da família pelo qual Carolina ficará conhecida. Foi doutora Honoris Causa pela Universidade de Friburgo (1893), de Hamburgo (1912) e de Coimbra (1916), distinguida com a Ordem de Santiago (1901), presidente honorária do corpo administrativo do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, autora de mais de 170 trabalhos, dos quais poucos não são sobre autores portugueses.

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