Mandaram-no a França a fim de se inteirar de como fazer em Portugal um parque para aeroestação e ele fez mais do que lhe pediram, coisa de que os seus superiores não gostaram muito. Cipriano Leite Pereira Jardim, de 46 anos, estudou o problema da direção de balões e regressou de Paris com um dirigível que ainda ninguém conseguira fazer. E que num mundo mais atencioso lhe teria valido, no mínimo, ficar no topo do pioneirismo da aviação.
O primogénito de Manuel Santos Pereira Jardim, que lutou pelos liberais na guerra civil e será professor catedrático, e de Guilhermina Amália Leite Ribeiro Freire, nasceu em Coimbra no dia 24 de setembro de 1841. Aos 19 anos, alistou-se no exército como voluntário. Já levava feito o liceu, onde aprendera inglês e francês, latinidade, filosofia, história natural, oratória, geografia, história e cronologia.
Apesar dos bons resultados no curso superior de artilharia na Escola do Exército, proporcionados pelo curso preparatório de artilharia, estado maior e engenharia militar e civil que frequentara na Escola Politécnica de Lisboa, ainda tirou o bacharelato na Faculdade de Matemática de Coimbra, não optando pela Filosofia, como o pai. Mas seguir-lhe-á os passos políticos, aderindo ao Partido Regenerador.
Antes de ser eleito deputado, em 1881 (sê-lo-á até 1887 e, em 1889, herdará o lugar na Câmara dos Pares do Reino), foi repetidor e substituto das cadeiras de matemática e ciências naturais no Real Colégio Militar. Em 1872, no dia seguinte a ser nomeado adjunto da fábrica de armas, casou-se com Felismina Albertina Penalva de Figueiredo, mais nova dez anos e com quem terá dois filhos, Miquelina, em 1778, e Luís, em 1879.
No ano de nascimento do filho, Cipriano esteve para lutar com Camilo Castelo Branco. O escritor não gostou do texto “História e Sentimentalismo” que o capitão publicou no “Trinta” e desafiou-o para um duelo. Após algumas conversações, tudo acabou pacificamente. Pouco depois, tornou-se jornalista. E fez-se dramaturgo, escrevendo, entre outras peças, o drama “Camões”, para assinalar o tricentenário da morte do poeta e que foi levado à cena no D. Maria II, cujo prémio de teatro ganhou em 1881.
Seis anos depois, quando já era major, será outro o seu caminho: em setembro, o Ministério da Guerra enviou-o a França para adquirir um parque de aeroestação. Cipriano resolveu estudar o assunto e aproveitar a oportunidade de expor as conclusões aos congéneres franceses, apresentando a sua invenção, materializada por Henri Lachambre a 28 de dezembro, dia do 16º aniversário da atribuição do título de visconde Monte São a seu pai e que herdara uns meses antes.
Ciente da necessidade da aprovação pelos pares, apresentou uma memória à Academia Real das Ciências de Lisboa. Meses depois, deu uma conferência na Sorbonne, perante uma numerosa assistência saída dos dois mil convites enviados a toda a comunidade científica e à imprensa francesas. De regresso ao reino, fez uma demonstração no Teatro de S. Carlos, no dia 23 de abril de 1888. Tudo dez anos antes de o brasileiro Santos Dumont apresentar o seu dirigível.
Cipriano mostrou um balão revolucionário, graças ao hidrogénio e a um motor de propulsão. Pegou nas experiências do pioneiro francês Charles Renard, apurou-lhe a forma e sobretudo o sistema. Até à data, “não se conhecia meio de fazer subir um balão na atmosfera que não fosse o de lançar fora da barquinha uma porção de lastro” e de libertar gás para a descida. “Uma viagem no balão Jardim será feita nas condições de uma viagem em caminho de ferro”, afirmava a revista “Ocidente” em 1888.
O português, dando ao aeronauta a capacidade de manobra, inventara o modo de evitar o “terrível choque com o solo” que constituía a aterragem. Embora não se percebesse porque fora 'dar o ouro' ao estrangeiro, Cipriano triunfara num país que gastava ”milhões de francos em estudos e experiências” sem conseguir obter “a última palavra sobre o assunto”. O governo francês há de agraciá-lo com a Legião de Honra, mas no seu país será promovido de posto ao mesmo tempo que irá caindo no esquecimento até à sua morte, como general reformado, no dia 27 de outubro de 1913.
Era um homem inovador. Em 1884, lançara o jornal infantil “As Crianças”, em cujo editorial explicava: “A criança, dado o estado embrionário do seu espírito, não recebe, não pode receber a educação da mesma forma que o adulto, isto é, a ideia concisa, nua de artifícios atraentes, despedida de rendilhados que lhe cintilem, expurgado de todas as substâncias inertes. Não é sob esta forma dogmática que as ideias se lhes hão de fixar no cérebro.”