Perseguição total
Entre 2003 e 2012, António Manuel Ribeiro foi perseguido por uma fã. Uma mulher que se tornou uma sombra e lhe limitou todos os passos. O caso acabou com duas condenações que fizeram história na Justiça portuguesa
Entre 2003 e 2012, António Manuel Ribeiro foi perseguido por uma fã. Uma mulher que se tornou uma sombra e lhe limitou todos os passos. O caso acabou com duas condenações que fizeram história na Justiça portuguesa
Carolina Reis (texto), Alex Gozblau (ilustração)
SMS era enigmática e cheia de reticências. Número desconhecido, significado indecifrável. Haveria de passar semanas até António Manuel Ribeiro, vocalista dos UHF, ter noção do que se estava a passar. Aquela mensagem era o início de um assédio persistente, de uma ameaça real, que pairaria anos sobre a vida do músico. Cristina/82, o nome que assinava a mensagem, revelava-se à volta do verão desse ano. Porquê Cristina/82? Foi o ano em que assistiu pela primeira vez a um concerto da banda. Só 21 anos depois começou a enviar mensagens a António Manuel Ribeiro. Mensagens que se repetiriam nos dias seguintes, nos meses seguintes, nos anos seguintes. O pesadelo durou nove anos — entre 2003 e 2012 — quando finalmente terminou o processo jurídico.
Quase uma década — que pareceu muito mais — com palavras e atitudes que misturavam amor e ódio, numa obsessão constante. A história é agora contada no livro “És Meu, Disse Ela”, da editora Guerra e Paz, que será lançado no dia 5 de janeiro. Quatrocentas páginas para descrever uma teia montada à volta do cantor, que o empurrou para o seu interior mais profundo. “O stalking, o padrão que me tocou, descobri depois, é um universo de criação unipessoal que me quiseram impor, um sufoco, um casulo onde entrei sem saber como e por que fora construído, o devaneio de uma estranha que se desdobrou em ações para me convencer da veracidade do mundo privado que escolhera para nós — nós —, povoado de mistério e inevitabilidade: podia ter sido o princípio da loucura e da resposta violenta, do chega para lá com dureza”, escreve no início do livro quando apresenta o caso, já transitado em julgado.
Um filme de terror, uma descida às profundezas da perseguição, ao isolamento e uma salvação feita pela Justiça que, por duas vezes, condenou a stalker a pena de prisão suspensa. Condenações históricas, a primeira fez jurisprudência e foi fundamental para a atual lei que criminaliza o stalking. “O caso contribuiu para uma tomada de consciência”, conta António Manuel Ribeiro, agora um homem com muito mais consciência das fronteiras de cada um.
Começaram por ser mensagens de ‘sedução’, com a stalker a acreditar que existia uma ligação entre os dois, que as músicas eram escritas para ela. A relação ilusória era descrita como um destino traçado nas estrelas e abençoado pelos deuses. Trinta mensagens por hora, e-mails longos, presença constante em todos os lugares onde o cantor passava ou estava. O mesmo carro sempre à porta da moradia do vocalista. Cristina/82, de nome verdadeiro Ana Cristina Fernandes, licenciada em Direito, sabia todos os detalhes da vida do músico, da data de nascimento da filha ao banco que usava.
António Manuel Ribeiro tornou-se o paciente zero do stalking em Portugal. Vocábulo estrangeiro que significa assédio persistente, perseguição. Os jornais e revistas escreveram que o cantor se tinha queixado de uma fã. O tribunal deu como provada a devassa da vida privada e injúrias, mas o stalking, ou assédio persistente, crime autonomizado em 2014, é mais do que isso.
Para o cantor, foi um buraco negro para o qual Ana Cristina Fernandes — ou Cristina/82 — o tentou sugar. “No longo interrogatório a que fui submetido para esclarecer os contornos da queixa apresentada, o magistrado do Ministério Público instruiu-me para enviar para o processo o relato de todos os acontecimentos interpretados pela stalker. Considerava que o caso era grave, não tinha dúvidas disso, e complexo, acrescentou, mas a revisão do Código do Processo Penal de 2007 impedia uma prisão preventiva: a malha alargara para certos crimes e para o caso em apreço nem sequer havia legislação autónoma”, explica no livro.
Caso raro na Justiça portuguesa, ainda mais raro ter chegado ao fim. As atitudes de um stalker (perseguidor) podem facilmente ser confundidas com atos sem maldade, até mesmo gestos românticos ou de amor. Ramos de flores enviados com frequência, mesmo depois de se ouvir um “não”, SMS diários, ou provocar encontros são comportamentos que se enquadram neste tipo de crimes, mas que são difíceis de identificar.
Por ano, chegam à Associação de Apoio à Vítima (APAV) quase 500 pedidos de apoio, dos quais não há certezas se se transformaram em queixas. Em 2016, o Ministério Público abriu 476 inquéritos por suspeita de stalking. Até dia 20 deste ano foram iniciados 640 inquéritos, quase mais 1/3 que no ano anterior. Um caminho aberto pelo cantor, ao dar o exemplo de não ficar calado e confiar nos caminhos da Justiça. Antes de 2014, quando o crime ganhou importância ao ser autonomizado em lei própria, o tema era pouco falado e muitas vítimas não tinham sequer noção de que estavam a ser alvo de um crime. Se hoje se podem queixar, amparadas por uma lei própria, muito se deve a António Manuel Ribeiro e à forma como não desistiu, mesmo quando se sentiu perdido.
Os SMS sedutores, com referências poéticas, as cartas manuscritas em papel floreado, os presentes enviados pelo correio e os e-mails “enternecidos e despropositados” de Cristina/82 foram-se tornando incómodo atrás de incómodo. “Algum orgulho tê-la-ia ajudado a sair de cena, mas o peso da obsessão preponderava”, diz o cantor. Eram também a prova de que o crime estava a ser cometido.
O que começou com palavras, termina agora com palavras. Desta vez, prevalecem as de António Manuel Ribeiro. Foi através da escrita que o perseguiram, e é hoje a escrita que o está a curar. O livro — doloroso de escrever porque o obrigou a reviver — foi uma terapia e é um manual para outras vítimas. Não o quis escrever, mas precisou fazê-lo. “Não recorri aos médicos, não tomei Valium, mas às vezes precisava, este foi o meu processo de cura”, conta.
Dividido em sete capítulos, o livro revela as mensagens, a paranoia, o processo judicial, as acusações e as ameaças. Mas deixa inúmeras perguntas sobre Cristina/82, a agressora que fantasiou ter tido um caso com o cantor, que mentiu ter estado grávida, que telefonava, enviava e-mails, o perseguia pelo país, ficava sentada à porta de sua casa mal ele chegava, que ameaçava as mulheres com que o músico se cruzava.
Antes de escrever, foi preciso ir ao fundo e voltar. “Além do stresse pós-traumático há uma coisa muito grave, que foi ter-me isolado, porque lhe deu a ideia de que estava a ficar mais sozinho. Sentia-me aflito a entrar em casa, fechava logo os portões”, recorda.
Tal como nos outros casos de stalking, a vítima sentiu-se encurralada e ameaçada só com a ideia da presença do agressor. “É uma violência quotidiana. Muitas vezes, são situações desvalorizadas pelos órgãos de polícia criminal. Chega a ser romantizado. São comportamentos que minimizamos, aligeiramos”, frisa Helena Grangeia, investigadora da Universidade do Minho e autora do primeiro estudo sobre o tema. Durante a investigação, encontrou quem definisse o stalking como um ato de amor. Como o namorado que não aceita um não e tenta ‘reconquistar’ a namorada. Ou a mulher que faz tudo para se encontrar com a ‘cara metade’ que mal conhece. “Não se define a partir de uma única atitude”, continua a investigadora.
Resulta sempre de uma obsessão, que pode ser ancorada em mil e um motivos, indecifráveis a quem não estuda a mente humana. Cristina/82 foi uma sombra na vida de António Manuel Ribeiro. Seguia-o e perseguia-o, sabendo sempre de todos os seus passos. Enviava mensagens, insultava-o e fazia ameaças. Mentia parecendo acreditar que estava a dizer a verdade. O cantor contabilizou os verbos mais usados: acabar (201), matar (152), odiar; (20), castrar (9). E os substantivos: morte (80); sangue (30); ácido sulfúrico (12); tiro (7). Ao todo, 511 formas de violência. “És meu, mas não te quero. Quero-te em cativeiro, monge das pedras, do tempo das igrejas góticas, das abóbadas elevadas… descobri a tua ordem na desordem. Se continuares a fornicar gajas terrestres, eu terei de tomar uma decisão, as Musas deliberam e os carrascos executam. Ainda não sabes nada... Lembra-te: és meu... mas ainda não sabes nada, são quase 6h30... andas a rendilhar o nosso amor, porque eu tenho deixado”, escreveu-lhe Cristina/82 às 6h16, de 5 de janeiro de 2008, já o caso dava os primeiros passos na Justiça.
Caso raro por ter chegado ao fim e por ter um homem como vítima. Os números da APAV dizem que a maioria das vítimas são mulheres (90,2%), têm uma média de 39 anos, estão solteiras (33,1%), têm filhos (29,6%), ensino superior (45%) e trabalham (64%). A esmagadora maioria (74,7%) já teve uma relação com o agressor. “O stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade repetidamente a esfera de privacidade da vítima e do seu círculo próximo. Li, apreendi e revi nas situações que estava a viver, empregando táticas e meios diversos de perseguição, tais como telefonemas, mensagens, correio eletrónico, remessa de presentes, controlo dos lugares frequentados pela vítima, infligindo danos à sua integridade psicológica e emocional, condicionando a sua liberdade de movimentos”, descreve o vocalista dos UHF.
Mergulhou a fundo no processo e em livros e relatórios sobre o fenómeno. Tem falado, várias vezes, em público na condição de vítima. E até si chegam, ainda hoje, relatos de casos que podiam ser o seu. “Há uma frase de uma nota do FBI, de 2002, sobre este tipo de crime, que prendeu a minha atenção. Diz mais ou menos assim: Os stalkers não se importam com a qualidade da atenção que obtêm, desde que haja atenção com os ricos e famosos.” E foi assim que foi buscar à erotomania — quando uma pessoa acredita que outra pessoa, de uma classe social mais elevada, está secretamente apaixonada por ela — também uma explicação para aquele assédio constante. “O doutor De Clérambault descreve a erotomania como ‘uma síndrome de emoções patológicas que segue uma evolução ordenada, passando pelos estádios de esperança, despeito e rancor’, informação científica que coincidia com os traços comportamentais que vinha anotando em Cristina/82”, escreve.
Mas António Manuel Ribeiro não pode afirmar que Cristina/82 sofra de alguma perturbação mental ou psicológica. “A nossa lei é anémica porque não corta o mal pela raiz. É uma disfunção, ou os juízes têm o trabalho paralelo de passar à parte forense ou então não há sequer exames. Não é como nos EUA, em que a stalker é retirada da vida pública e levada para fazer exames forenses. Assim, não são tratadas e quando acaba a condenação regressam à sociedade, não sabemos em que estado”, defende.
Cristina/82 foi sempre condenada a pena suspensa, por não ter antecedentes criminais. O primeiro julgamento transitou em julgado a 28 de outubro de 2011. A segunda sentença foi proferida a 31 de janeiro de 2013 e só depois disso soube que o livro veria a luz do dia. “Enquanto o agressor vive sob a capa de ser um presumível inocente até prova em contrário (trânsito em julgado da sentença após o expediente dos recursos), a vítima fica entregue ao seu bom senso, ou não, abandonada pelo sistema judicial enquanto o processo decorre. Lemos vulgarmente que é feita justiça pelas próprias mãos, quando o desespero vence e a perda de lucidez acontece. Não foi o meu caso.”
A história de António Manuel Ribeiro pode equiparar-se a outros tantos casos da Meca do cinema. Como o de Rihanna, cujo perseguidor está preso, Keira Knightley, cujo agressor viu todos os dias uma peça sua em Londres, ou Sandra Bullock, que teve uma fã que tentou atropelar o marido da atriz. Juntam os mesmos ingredientes: uma pessoa famosa e um fã que acredita ter uma relação única e especial com essa celebridade. Às vezes, justificam essa ligação apenas por se terem cruzado com o famoso ou por o terem lido numa entrevista e encontrado semelhanças.
O assédio de que foi vítima o cantor começa em Sines, quando Cristina/82 era uma jovem de 15 anos, a regressar de férias com os pais, e assiste a um concerto dos UHF. Na altura em que se começou a tornar uma sombra indesejada, Ana Cristina Fernandes era uma mulher de 36 anos, casada e já com uma vida vivida. Talvez durante aqueles 21 anos que separam as duas datas, Cristina tenha fantasiado com António Manuel Ribeiro. Para ele, era uma fã que ia a todos os concertos. “Quando Cristina/82 começou a frequentar os nossos concertos e até compareceu em dois encontros de fãs, deixámo-la entrar no círculo exterior dos UHF, considerámo-la uma entre os demais, sem registo especial. Anotámos mais tarde que era mais observadora que participativa, procurando o diálogo com amigas que assinalava como íntimas e com essa subtileza feminina indagava en passant sobre a minha vida pessoal. Pouco ou nada lhe foi revelado, apenas o óbvio, avisaram-me, mas não dei especial importância à curiosidade.”
O círculo entre António Manuel Ribeiro e Cristina fechou-se quando o cantor percebeu que aquela fã se estava a tornar “muito incomodativa”. No final de 2004, a mulher estava impedida de se aproximar e de comunicar com o vocalista da banda de Almada. Contudo, isso não a impediu de seguir a caravana dos UHF e de seguir o vocalista para toda a parte. A tal ponto, que chegou a achar muitas vezes que a via onde ela, na realidade, não estava. “Tinha ido a Paris ver um concerto da Patti Smith com um amigo e fomos beber um copo antes. Quando saímos do café, eu ia a atravessar a estrada, vi um carro da marca do dela e atirei-me para o passeio, pensando que era ela.” Não era.
Mas podia ter sido. Ele chegava a casa e ela parava o carro à porta, a marcar presença. Ele viaja, em trabalho, pelo país, sem usar o nome verdadeiro para as reservas de hotel, e ela sabia sempre qual era o destino dele. Aparecia uma mulher na vida dele, e ela imiscuía-se na vida dessa mulher, ao ponto de saber todos os detalhes das suas vidas, como os diminutivos dos filhos. “A agressão, a devassa, o incómodo eram cometidos em vários planos, porque tinha tempo e dinheiro para tanto. Seria uma faceta a explorar quer pela investigação, que não foi feita, quer no julgamento, onde nada foi aflorado. Do outro lado, havia um cidadão que ia, por moto próprio, descodificando os abusos, configurando matrizes comportamentais e enviando relatórios regulares para as autoridades, esperando e exigindo que a vida voltasse a ser o que era”, escreve António Manuel Ribeiro. Para o autor, esta foi uma violência que não foi julgada, mas que agora não fica por contar.
Hoje, sabe que a sua vida começou a ser espiada por Cristina/82 muito antes do verão de 2003. É a própria que o revela, ao enviar mensagens que só alguém muito próximo — da família — poderia saber. “Ainda me lembro quando ias comprar fraldas para a tua filha mais nova no Pão de Açúcar do Centro Sul [...] És um bicho nojento que tudo te serve. Quando tinhas o Passat vermelho, tenho tudo filmado, nojento de merda. Sempre andaste metido com todas. Já te devia ter morto há muito”, escreveu a stalker numa SMS enviada a 22 de novembro de 2009.
No final de 2007, Cristina/82 encontrou um ‘bode expiatório’ para justificar o desinteresse do cantor em ter uma relação com ela: outras mulheres. Aí, deixou de ser fã e assumiu o papel de mulher abandonada. “Não me assustei com a metamorfose, há muito que previra que esta mulher não reconhecia o lugar que ocupava na minha vida: nenhum. Ao abuso respondi com o afastamento total”, diz o cantor. Começou uma segunda fase do assédio, Cristina/82 não era uma sombra indesejada por causa da música. Era impulsionada por uma “união irremediavelmente inscrita nos astros”. Os deuses estavam do seu lado para atingir o resultado final.
As ameaças tornaram-se ainda mais constantes e estenderam-se a todos os que com António Manuel Ribeiro conviviam. “As gajas acabaram, será que vou ter que estripar a goela a uma delas? Só assim voltarás a ser monge. Só sabes que te amo, isso é pouco, quero muito mais que a tua morte... Depois da nossa última noite, já levaste para a nossa cama mais umas 5 a 10 gajas. Não cumpriste a ordem dos deuses: três anos sem gajas”, lê-se numa SMS enviada a 3 de julho de 2009.
O cerco estabeleceu-se de tal forma que se tornou impossível para o vocalista ter uma relação. “A partir do final de 2007, a minha vida emocional passou para um regime de proteção — era impraticável sair com uma mulher e ter um pendericalho à perna, incomodativo, violador da privacidade.” Confundiu simples amigas com namoradas, que acabaram perseguidas e perturbadas e deixando o cantor cada vez mais isolado. “Com muito trabalho e disciplina, uma parte da minha intimidade esteve a salvo. Por mais meios e disponibilidade que apresentasse, e apresentou, consegui organizar uma vida secreta: não era agradável, houve compreensão por parte de quem comigo partilhou esse secretismo de movimentos e encontros, necessário para evitar mais tormentos.”
Não foi parar a um manicómio, nem se encheu de drogas ou fez terapia. Mas isolou-se dentro de si próprio. Divorciado, e pai de três filhos, não deixou que ninguém se aproximasse dele no tempo em que durou a perseguição. “Deixei de ter vida noturna.”
As ameaças às pessoas com que achava que o cantor estava envolvido chegaram também em forma de SMS, e com detalhe.“Não vais mais foder essa pega. Abro-lhe a cabeça em Vilamoura ou na merda de casa para onde se mudou o mês passado. Como vês, vai tudo à frente, sou pior que um tsunami. Volta para casa agora e sozinho. o sangue vai correr”, escreveu Cristina/82 a 20 de fevereiro de 2010.
Para proteger os mais próximos, não lhes contou todas as voltas e reviravoltas do caso. “Poupei a minha mãe de muito do que se passou.” É aos pais que vai buscar a capacidade de “resiliência” e de “resistência” para não desistir e levar o processo até ao fim.
Crente no Estado de Direito, o cantor decidiu que teria de apresentar queixa. Só assim o assédio poderia parar. “Era incapaz de fazer justiça pelas próprias mãos. Se não acreditarmos na Justiça e no Estado de Direito vamos acreditar em quê?” Acreditou sempre que aquela era a única solução, sentimento raro para quem é vítima de stalking. Ainda mais raro quando se é homem. E quando se é homem conhecido a queixar-se de ser perseguido por uma mulher. “Há uma altura em que vou apresentar queixa à GNR da Charneca da Caparica — ela estava a seguir-me nesse momento — e pensei: vão gozar comigo.” Não gozaram, mas teve de lhes mostrar o “Correio da Manhã” para explicar o que se estava a passar. “Vivemos numa sociedade marialva e machista, muitas vezes me disseram que acabava com ‘aquilo’ se lhe desse um murro.” Mas António Manuel Ribeiro não quis resolver violência com violência.
Por ordem do Ministério Público, foi juntando as SMS e escrevendo os factos por indicação do Ministério Público. “Os meses decorriam, preencheram anos. O processo, que atingiu perto de mil páginas, estava prenhe de um conjunto de ameaças que poderiam alcançar qualquer desfecho. A sucessão das ameaças devia ter sido suficiente para acelerar o processo jurídico, ou, no prolongamento do inquérito, que fossem tomadas medidas para salvaguardar a integridade dos alvos. Se um ato final tivesse sido consumado, este livro teria ficado a meio e eu seria uma memória que a história engolira.”
Cinco anos depois, essas mais de mil páginas do processo pertencem ao passado recente. O caso jurídico está arrumado. O terapêutico em processo de cura com este livro. “A terapia passou pela escrita de um livro que revelasse a violência a que podemos ficar sujeitos enquanto a Justiça percorre caminhos de prazo incerto — é um depoimento das feridas do silêncio.”
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