Sociedade

Portugueses que estão a cercar o cancro

1 Nuno Rodrigues dos Santos: estuda uma terapia dirigida a células cancerígenas em leucemias  de crianças e jovens; 2 Gonçalo Bernardes: desenvolveu método  que ataca os tumores com monóxido de carbono: 3 Bruno Silva Santos: contribuiu para uma fórmula que cria células anticancro no sistema imunitário; 4 Noel de Miranda: Procura uma forma de personalizar os tratamentos de cancro intestinal; 5 Miguel Godinho Ferreira: criou um sistema  que analisa os medicamentos disponíveis  com base numa biopsia do doente; 6 Manuel Teixeira: investiga a questão  da hereditariedade do cancro; 7 Paula Soares: investiga o cancro da tiroide; 8 Rui Lopes: desvenda as zonas desconhecidas  do genoma que podem ajudar no combate ao cancro; 9 Pedro Castelo Branco: desenvolve  biomarcadores que detetam o cancro; 10 Raquel Oliveira: estuda a divisão celular  e as suas implicações na doença; 11 João Pedro Magalhães: trabalha na relação  entre longevidade e cancro
1 Nuno Rodrigues dos Santos: estuda uma terapia dirigida a células cancerígenas em leucemias de crianças e jovens; 2 Gonçalo Bernardes: desenvolveu método que ataca os tumores com monóxido de carbono: 3 Bruno Silva Santos: contribuiu para uma fórmula que cria células anticancro no sistema imunitário; 4 Noel de Miranda: Procura uma forma de personalizar os tratamentos de cancro intestinal; 5 Miguel Godinho Ferreira: criou um sistema que analisa os medicamentos disponíveis com base numa biopsia do doente; 6 Manuel Teixeira: investiga a questão da hereditariedade do cancro; 7 Paula Soares: investiga o cancro da tiroide; 8 Rui Lopes: desvenda as zonas desconhecidas do genoma que podem ajudar no combate ao cancro; 9 Pedro Castelo Branco: desenvolve biomarcadores que detetam o cancro; 10 Raquel Oliveira: estuda a divisão celular e as suas implicações na doença; 11 João Pedro Magalhães: trabalha na relação entre longevidade e cancro

Um criou células com ‘pistolas’ que matam os tumores, outro descobriu o truque usado pelo cancro da pele para não ser detetado, outro ainda sabe como injetar drogas e afetar só células cancerígenas, evitando efeitos como a queda do cabelo. Estes cientistas estão na linha da frente do combate ao cancro e apostam em ativar o sistema imunitário e numa medicina de precisão e dirigida a cada doente

Com os olhos no microscópio, testaram a fórmula 2488 vezes ao longo dos últimos dois anos. Pegaram em glóbulos brancos de doentes com cancro e tentaram sucessivamente dar-lhes maior capacidade de se defenderem da doença através de um método especial de manipulação. E descobriram uma fórmula inovadora e eficaz de criar células anticancro no sistema imunitário, que são depois injetadas nos doentes com leucemia para tentar acabar com a doença. A descoberta, feita por Bruno Silva Santos, de 43 anos, do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa, e pela sua equipa, está a entusiasmar a comunidade internacional. A fórmula, registada em patente, foi recentemente comprada por uma empresa norte-americana e em breve vai começar a ser testada em 20 doentes com leucemia. “As células passam a ter uma ‘pistola’ que mata o cancro”, explica o investigador e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa. O cientista encontra-se na linha da frente do combate ao cancro e o tratamento que descobriu pertence à mais recente vaga de terapias que estão a trazer otimismo à comunidade médica e científica: combater o cancro com o próprio sistema imunitário dos doentes, o que chamam de imunoterapia. É uma das esperanças, admitem os especialistas, para tentar reverter o poder que o cancro ganhou e mudar as estatísticas e previsões. Todos os anos, segundo a Organização Mundial de Saúde, morrem mais de oito milhões de pessoas com cancro e surgem 14 milhões de novos casos, prevendo-se que este último número aumente 70% nos próximos 20 anos. Uma em cada três pessoas irá ouvir ao longo da vida uma das frases mais temidas: “Você tem cancro.”

Dentro dos laboratórios em todo o mundo tenta-se compreender melhor a doença — em relação à qual parece haver consenso de que não é uma, mas várias doenças — através da biologia molecular e celular e aposta-se na genética para descobrir as vulnerabilidades e características do cancro de cada paciente. Por se conhecer um pouco melhor os tumores, começaram a desenvolver-se novas terapias mais personalizadas para aplicar ao cancro de cada doente, e não em todos de forma igual, como até agora, e investigam-se novas formas de tratamento. Uns estão a dedicar-se a identificar anticorpos que conseguem atuar sobre as proteínas envolvidas nos tumores; outros querem usar as células dos próprios pacientes, manipulando-as. Pelo meio, estão a preparar-se novos medicamentos. Neste momento, segundo a revista “The Economist”, estão a ser desenvolvidas pelas farmacêuticas 600 moléculas contra o cancro, que poderão ir para o mercado nos próximos anos. A estratégia da comunidade médica e científica é clara: estão decididos a identificar as características do cancro de cada vítima, para o tratar individualmente de forma mais eficaz. E, por outro lado, investem tudo em encontrar mais tratamentos que só matem as células cancerígenas e não as saudáveis, como sucede com a convencional quimioterapia, que leva os doentes a perderem o cabelo, entre muitos outros efeitos secundários. A grande aposta é utilizar o sistema imunitário dos doentes para os tratar e, quem sabe, curar. Para isso, estão a usar-se anticorpos injetáveis nos doentes e vão começar a aplicar-se terapias totalmente novas de manipulação de células. É o que faz Bruno Silva Santos, vice-presidente do IMM, que já passou pelo Cancer Research, no Reino Unido, e pelo King’s College, em Londres. “Conseguimos criar uma receita através da qual damos aos glóbulos brancos (linfócitos T) maiores capacidades de combaterem o cancro. Depois geramos, em laboratório, muitos desses glóbulos, para os tornar mais potentes, e injetamos milhões dentro do doente”, explica, concretizando: “Na superfície dos glóbulos brancos passa a existir um recetor que mata. Ou seja, as células passam a ter uma ‘pistola’ que não têm quando nascem, mas que nós em duas semanas conseguimos fabricar.” É uma “nova arma”, diz, que deteta e mata as células tumorais, sublinhando que foi o seu aluno de doutoramento, Daniel Correia, que se dedicou a esta investigação e insistiu na criação de uma startup que agora foi comprada pelos norte-americanos. Empresa esta que detém um património poderoso: as DOT-cells (Delta One T Cells) — as células com armas contra a leucemia. Uma doença que em 2015 matou 874 portugueses.

No mês passado, pela primeira vez na história da medicina, foi aprovado um tratamento que passa pela manipulação de células do sistema imunitário. É da Novartis, tendo sido desenvolvido por investigadores da Universidade da Pensilvânia. O processo é simples de explicar: retiram-se células do sangue do doente, que são manipuladas em laboratório para ganharem certas características e depois são reintroduzidas na corrente sanguínea do paciente. O tratamento esteve anos em estudo e já mudou a vida de várias pessoas, como a da primeira criança que a experimentou quando estava em testes — uma americana de 10 anos cuja leucemia resistiu à quimioterapia e que quando parecia já não haver nada a fazer conseguiu salvar-se. As células manipuladas que salvaram Emily chamam-se CAR T cells. “São os mesmos linfócitos que os nossos, mas a receita usada é diferente”, refere Bruno Silva Santos, explicando que a sua “fórmula mágica” permite atacar tipos de leucemia que as CART cells não conseguem.

Rui Lopes, investigador de 32 anos, acaba de ser contratado para trabalhar na Novartis, em Basileia, na Suíça. “Acredito que este tipo de tratamento é o futuro do cancro”, diz, explicando que a sua área de especialização é porém outra: está a investigar zonas desconhecidas do genoma humano importantes para combater o cancro. Mas acredita que a manipulação de células pode ser uma solução para muitos doentes.

Descobriu truque usado 
por cancro da pele

É também nesta recente estratégia de apostar no sistema imunitário que Noel de Miranda, de 35 anos, está focado. O antigo aluno de Biologia Aplicada da Universidade do Minho lidera um grupo de trabalho no Centro Médico da Universidade de Leiden, na Holanda. E neste momento tenta descobrir qual a melhor maneira de aplicar este tratamento de forma personalizada aos doentes com cancro colorretal (ou intestinal) — que mata 11 portugueses por dia, sendo a segunda causa de morte por doença oncológica no país, e que a nível mundial é responsável por 1,4 milhões de novos casos anuais. A ideia de Noel de Miranda é, recorrendo a tecnologia de última geração, caracterizar as alterações genéticas que acontecem nos tumores de cada pessoa e identificar as proteínas que ficam alteradas nas células cancerígenas. Depois, essas proteínas, sintetizadas em laboratório, são usadas para estimular uma resposta do sistema imunitário às células tumorais — um processo idêntico ao das vacinas. “Isto pode ser feito através de vacinação terapêutica ou através da seleção em laboratório de células do sistema imunitário que sejam reativas contra essas proteínas. Estas são multiplicadas e faz-se depois uma reinfusão no paciente”, detalha Noel de Miranda sobre este trabalho que foi premiado, entre outras instituições, com bolsas da Associação Americana para a Investigação do Cancro e da Sociedade Holandesa Contra o Cancro e teve o financiamento da Organização Holandesa para a Investigação em Saúde e Desenvolvimento. O cientista está ainda a tentar identificar “células imunitárias que até agora eram desconhecidas” e que parecem ter grande potencial anticancro. As suas investigações têm tido sucesso internacional. E no ano passado, em junho, um dos seus trabalhos — neste caso sobre o cancro de pele — foi publicado na prestigiada revista “Nature”. Noel de Miranda e o restante grupo de investigação conseguiram demonstrar, pela primeira vez em humanos, o truque usado pelo melanoma — cancro que é diagnosticado em mil portugueses por ano — para se instalar nos doentes: o sistema imunitário obriga o tumor a adaptar-se e por isso ele altera-se geneticamente, o que lhe permite fintar o sistema imunitário, que deixa de o reconhecer. Uma descoberta, confirma o investigador, que levará a novos tratamentos capazes de atacar as alterações genéticas de cada cancro.

“Tem havido enormes avanços no campo da imunoterapia, onde se observam resultados muito promissores no tratamento de cancros para os quais havia opções terapêuticas muito limitadas”, garante, explicando que há grupos a explorar as melhores combinações entre imunoterapias inovadoras e terapias tradicionais, como quimio e radioterapia; e outros ainda a tentar diferentes formas de tirar partido do poder do sistema imunitário. Uns usam anticorpos, outros moléculas.

Entre Lisboa e Cambridge 
para estudar monóxido de carbono

Para Gonçalo Bernardes, de 37 anos, uma das soluções pode ser o monóxido de carbono. O investigador português, que divide a sua semana entre o Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa, e Cambridge, em Inglaterra, onde dá aulas de Química e dirige um grupo de investigação, está neste momento a patentear a descoberta que fez. Isto para que possa ser explorado por uma empresa, que será em breve criada em Cambridge com capitais de risco. “Desenvolvemos um método que permite entregar concentrações elevadas de monóxido de carbono nos tumores, o que retarda o seu crescimento, pois consegue suprimir os mecanismos específicos pelos quais as células tumorais conseguem manter-se invisíveis para o nosso sistema imunitário.”

É que num assunto todos os investigadores são unânimes: o cancro é extremamente inteligente e consegue ludibriar os mecanismos de alerta existentes no organismo, seja evitando que as células malignas revelem proteínas que as denunciem ao sistema imunitário, seja inibindo, adormecendo ou imobilizando os glóbulos brancos.

Gonçalo, que concluiu o seu doutoramento em Oxford, está a fazer testes em ratinhos e garante que este tratamento com monóxido de carbono associado com quimo está a revelar bons resultados e no futuro, acredita, pode permitir chegar mais perto das remissões.

Mais avançada está outra das suas investigações, que até ao final do ano vai ser testada em 200 doentes, através de uma farmacêutica à qual licenciou a tecnologia. “Usando um anticorpo conseguimos direcionar uma droga muito tóxica para o tecido tumoral, evitando efeitos secundários noutros tecidos”, adianta, explicando que atualmente os anticorpos levam as drogas a atingir células cancerígenas e também normais. “Descobrimos que entregar drogas tóxicas no microambiente dos tumores é uma estratégia viável, pois pode ter capacidade antitumoral com efeitos secundários mínimos. Até agora pensava-se que a droga tinha de ser colocada dentro da célula cancerígena.” O tratamento, prevê o investigador, pode vir a ser usado em todos os tumores sólidos, pois o anticorpo é específico para os novos vasos sanguíneos.

Este tratamento já não se baseia no sistema imunitário, mas numa medicina de precisão, outra das estratégias em que se está a apostar em todo o mundo. “É preciso perceber a biologia do cancro a nível molecular para o podermos intervencionar com mais seletividade e eficácia”, explica Gonçalo Bernardes, que tem também em curso uma investigação que, usando inteligência artificial, testa as capacidades de produtos naturais, como cobras, algas e plantas.

Atacar o cancro com arco 
e flecha e não com metralhadora

Entre os investigadores portugueses, o dia a dia é preenchido quase sempre da mesma forma: conseguir arranjar maneira de tratar a doença atacando apenas as células cancerígenas e deixando as saudáveis sobreviver. E cada vez mais de forma individual em cada paciente. É esta ideia que tem sido debatida nos últimos anos no maior congresso mundial sobre cancro, que se realiza em junho em Chicago, como sucedeu há três meses. Cerca de 40 mil oncologistas encontraram-se e trocaram informações sobre o que há de novo para combater a doença: apresentaram-se estudos sobre combinações de medicamentos eficazes; comprovou-se que os primeiros tratamentos feitos há três anos usando o sistema imunitário conseguiram aumentar a vida a alguns pacientes com cancro do pulmão (o cancro que mais mata em Portugal), que estavam em fim de linha e quebraram-se alguns mitos, como o de que engravidar após um tratamento de cancro pode ser perigoso — um estudo feito em mais de um milhão de mulheres demonstra que afinal não há risco de recidiva. Foi também apresentando um medicamento que é eficaz a tratar os doentes que revelaram uma certa mutação, que lhes originou o cancro, independentemente do local onde surgiu. É a chamada medicina dirigida.

“É atacar o cancro com um arco e fecha e não com uma metralhadora, como a quimioterapia tradicional, que mata tudo”, compara Nuno Rodrigues dos Santos, de 47 anos, investigador principal do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto (I3S). Há uns anos que se dedica a esta terapia mais dirigida e já ajudou a dar mais um passo no tratamento de um tipo de leucemia que afeta especialmente crianças e adolescentes. Descobriu que quando se injeta um anticorpo num recetor chamado TCR (proteína), que existe na superfície das células malignas, estas morrem. “E o melhor é que, nas células normais, o recetor, quando ativado, tem uma função completamente diferente, que é a de se multiplicar. E isso torna esta descoberta interessante”, diz Nuno, que esteve cinco anos na Holanda e seis em França. “Cada tipo particular de cancro expressa proteínas e a ideia é a terapia só atingir essas proteínas”, conta Nuno, que desde pequeno se sente fascinado pelos mecanismos moleculares e teve como mentor, no seu doutoramento de Oncobiologia, Sobrinho Simões, eleito o patologista mais influente do mundo. Os avanços, nota Nuno Rodrigues, têm sido imensos. Nos anos 50 e 60, lembra, “descobriram-se moléculas que bloqueavam a divisão celular, e desenvolveu-se a quimioterapia”, que tem efeitos secundários, pois mata, além das células cancerígenas, as células saudáveis que se dividem com rapidez, como as responsáveis pela produção do cabelo. “Nos anos 90, com a sequenciação do genoma, passou a ser possível identificar mutações do cancro que produzem proteínas e pode começar-se a desenvolver terapias só para essas proteínas aberrantes.”

É na parte ainda menos conhecida do genoma que o investigador Rui Lopes, que acabou de ser contratado para a Novartis, acredita que pode estar o segredo para tratar alguns cancros. Lembrando que o genoma é “um código composto por três biliões de letras (bases do ADN,) e que contém toda a informação necessária para um embrião humano se dividir e desenvolver num organismo adulto, com aproximadamente 37 triliões de células”, o investigador garante que só conhecemos 2% da sequência do genoma, correspondente aos genes. “Os restantes 98% foram considerados ‘lixo’ (junk DNA) porque não se sabia a sua função.” Foi precisamente nesta parte que encontrou a resposta para alguns mistérios: “Descobrimos que as regiões regulatórias do ADN que se situam na vizinhança dos genes desempenham funções biológicas nas células tumorais.” “Testamos milhares de regiões diferentes e percebemos que algumas são essenciais para a divisão e proliferação das células tumorais. Algumas conferem vantagem às células tumorais para se dividirem e continuarem a proliferar, e nós descobrimos de que forma fazem isso.”

Um trabalho que o cientista diz que apenas foi possível por ter sido entretanto inventada uma ferramenta molecular chamada CRISPR-Cas9 — escolhida pela revista “Science” como o grande avanço científico de 2015, por permitir cortar o ADN com eficácia a precisão. “Está a revolucionar a investigação biomédica”, avisa Rui Lopes.

É também nesta área do genoma que Pedro Castelo Branco, de 44 anos, um investigador que se doutorou em Oxford e passou longos anos pelo Canadá e EUA, procura respostas. Ele e a sua equipa desenvolveram um biomarcador que permite detetar a presença da doença, ainda mesmo antes de ser vista ao microscópio. “E permite perceber também a sua agressividade, ou seja, a evolução da doença”, diz Pedro Castelo Branco, que lidera um grupo de investigação no Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina na Universidade do Algarve. O biomarcador, garante, mede a capacidade imortal do cancro. Capacidade esta que é avaliada através da atividade de uma enzima presente nas células tumorais (telomerase). Para os médicos, esta é uma ajuda essencial, acredita. Sabendo a agressividade e o prognóstico, podem vir a decidir se é melhor operar ou apenas vigiar um doente. Um dos estudos que fez aplicou este biomarcador ao cancro da próstata — doença que ao longo da vida vai atingir um em cada seis homens. Outro dos trabalhos foi focado no cancro cerebral em crianças e no cancro do pâncreas — dois dos cancros mais difíceis de diagnosticar “Quando dói, às vezes é tarde”, nota, lembrando que a próstata, mama e colo do útero, por serem mais fáceis de detetar, são os que revelam maior eficácia do tratamento.

Tornar as terapias e decisões médicas mais eficazes é também o que leva Paula Soares, professora na Universidade de Medicina do Porto, a comandar diariamente o seu grupo de investigação no Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup). Dedica-se ao cancro da tiroide: “Habitualmente, tem muito bom prognóstico, mas 10 a 15% dos doentes têm a doença de forma recorrente ou desenvolvem metástases. O nosso principal objetivo é encontrar marcadores biológicos (genéticos) que nos indiquem quais os doentes que vão ter a doença mais agressiva, de forma a ser possível tratá-los mais precocemente e da forma mais adequada à sua doença.” Neste momento, confessa, está interessada em estudar a telomerase, a famosa proteína envolvida na “imortalização” das células de cancro. “Podemos tratar mais intensivamente os doentes que apresentam esses biomarcadores de mau prognóstico, e poupar de um tratamento agressivo aqueles que não os têm. Esses marcadores podem também ser usados para desenvolvimento de novas terapias”, esclarece Paula Soares, que elaborou mais de 130 papers sobre o assunto, sendo o seu grupo um dos mais citados em estudos internacionais.

Testar efeito do tratamento 
antes de começar

Miguel Godinho Ferreira e Rita Fior, da Fundação Champalimaud, também estão a pesquisar formas de ajudar os oncologistas a decidir e garantem que têm um conceito inovador que pode ajudar a tornar os tratamentos mais eficazes. “Os médicos têm alguma incapacidade de saber com precisão qual o melhor tratamento para cada paciente porque os estudos sobre os medicamentos são perspetivados para pacientes médios. Mas esse doente não existe”, argumenta Miguel Godinho Ferreira, de 47 anos. E os dois investigadores têm a solução: um teste que, usando as biopsias dos pacientes, analisa em poucos dias o efeito de todos os medicamentos disponíveis no mercado. O que permite saber qual o melhor fármaco para cada situação, antes de se iniciar tratamento. “Isto já se faz nos hospitais, onde se realizam colheitas de bactérias e se testam os antibióticos para ver o mais eficaz”, repara o cientista, explicando que para realizarem o estudo usaram larvas de peixe zebra. Introduziram nos animais células cancerígenas de cinco doentes e depois testaram os vários medicamentos. “Depois comparámos com os resultados dos pacientes”, para ver se os tratamentos que lhes foram feitos pelos médicos tinham tido o mesmo efeito que nas larvas — bom ou mau. “Em quatro casos, os resultados coincidiram”, diz o investigador, adiantando que o estudo será alargado. Miguel Godinho Ferreira vai agora viver para Nice, desanimado com o pouco investimento que é feito em Portugal. Irá continuar o estudo sobre o envelhecimento e cancro que tem realizado no Instituto Ciência para a Gulbenkian. “Para mim, o cancro é uma doença do corpo. Uma doença sistémica. E não das células”, argumenta, desvendando o que julga ser a “teoria da conspiração”. “O nosso corpo tem um relógio molecular (telómeros), que são uma parte do cromossoma onde está o material genético. E esses telómeros encurtam desde que nascemos. É como se houvesse um timer, que vai diminuindo. E assim vai reduzindo o número de divisões celulares e o corpo torna-se menos eficiente a lidar com as doenças.” O cientista está a estudar o que se passa com o peixe zebra para tentar perceber o que diz ser um verdadeiro mistério: “Porque é que o cancro aumenta com a idade?” Quem anda à procura dessa resposta é João Pedro Magalhães, de 39 anos, que depois de se formar na Escola Superior de Biotecnologia, no Porto, e depois de passar pela Universidade de Namur, na Bélgica, e por Harvard, em Boston, EUA, vive agora em Liverpool, no Reino Unido, onde lidera uma equipa de investigação. Está a investigar o mecanismo molecular do rato-toupeira-pelado, uma espécie de roedor que resiste ao cancro e à velhice, vivendo de forma saudável três décadas, enquanto um ratinho comum vive até quatro anos. “E estou também a estudar a baleia da Gronelândia, que vive 200 anos”, para perceber os mecanismos que a protegem do cancro e o que lhe dá longevidade.

O facto de o cancro aumentar com a idade, e a esperança de vida ter crescido, é aliás uma das justificações que todos dão para o aumento de novos casos de cancro de ano para ano. E é também cada vez maior o número de sobreviventes da doença. Em Portugal, há 500 que sobreviveram, segundo dados da Liga Portuguesa contra o Cancro.

Para aumentar este número, Manuel Teixeira, de 50 anos, diretor do serviço de genética do Instituto Português de Oncologia, no Porto, concentra parte do seu trabalho a perceber como é que funciona a hereditariedade no cancro. Há entre 5 a 10% dos tumores que passam de pais para filhos. O que o investigador está a fazer é tentar descobrir genes alterados que acompanham a doença numa determinada família. “Neste momento estamos a estudar 500 famílias de doentes com diagnóstico de cancro da próstata até aos 50 anos, ou até aos 65 mas também com história familiar da doença e a sequenciar o seu genoma”, explica Manuel Teixeira, adiantando que, se em muitas famílias se consegue entender o que causou a doença, noutras não há ainda explicação.

A falta de certezas ainda é muita, admitem os investigadores. E passam os dias a tentar descodificar o funcionamento dos genes, das moléculas e das células. Estas últimas têm ocupado o tempo de investigação de Raquel Oliveira, de 37 anos, investigadora principal do Instituto Gulbenkian de Ciência. Dedica-se a estudar a divisão celular, um processo pelo qual se apaixonou à primeira vista. Confessa: “Já viu o processo das células a dividirem-se? Quando vi pela primeira vez num microscópio fiquei fascinada com a dança dos cromossomas.” Viu vezes sem conta e hoje é uma das maiores especialistas na matéria. Raquel explica que, de cada vez que uma célula se divide, as suas células filhas têm de herdar o mesmo número de cromossomas, o que acontece na maior parte das vezes. Mas quando há um erro isso pode ser drástico e causar doenças como o cancro. “Em 90% dos tumores, as células têm um número errado de cromossomas”, sublinha Raquel Oliveira, que tem usado a mosca da fruta para estudar a divisão celular que, assegura, pode “ser a causa mas também a cura do cancro”. E explica: “Erros na divisão celular podem ser a origem de doenças como o cancro. Mas a indução de muitos erros nessa mesma divisão celular pode ser uma estratégia para combater o cancro.”
Para uns, a cura é inevitável, outros preferem falar em tornar o cancro crónico, outros acham que ainda há um caminho a percorrer. Certo é que, como garantem alguns dos investigadores portugueses, quem conseguir parar o cancro vai de imediato à Suécia buscar o Nobel.

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