Sociedade

Justiça livra ex-comandante da SATA de crime de ofensa

Justiça livra ex-comandante da SATA de crime de ofensa
Tiago Miranda

Companhia aérea avançou com queixa-crime contra Luís Miguel Sancho, que disse que os aviões estavam obsoletos e acusou a empresa de andar desgovernada e estar “asfixiada financeiramente”. Mas Tribunal da Relação recusou julgá-lo e confirmou a decisão do juiz de instrução, que considerou não existir qualquer ofensa por ele ter direito à liberdade de expressão. Piloto prepara-se agora para contestar despedimento por justa causa.

O ex-comandante da SATA que acusou a companhia açoriana de ter aviões “obsoletos” e que disse publicamente que a empresa andava “desgovernada” e estava a ser “asfixiada financeiramente” não vai ser julgado pelo crime de ofensa, como pediu a administração da transportadora.

Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa consideraram, num acórdão a que o Expresso teve acesso, que o comandante Luís Miguel Sancho apenas emitiu a sua opinião, o que lhe está garantido, sublinharam, pelo direito à liberdade de expressão. Os magistrados concluíram que o “arguido não 'propala factos', limita-se a emitir opiniões”, e lembraram que a “jurisprudência portuguesa sustenta claramente a necessidade de proteger o direito à liberdade de expressão e de opinião sobre a tutela do bom nome, in casu de uma empresa”.

A SATA recorreu para a Relação depois de a juíza do tribunal de instrução criminal de Cascais ter considerado que não havia qualquer crime, não pronunciando o piloto e optando por não o levar a julgamento. Isto na sequência de queixas-crime colocadas pela transportadora e pelo administrador Francisco Gil, que atualmente já não se encontra no cargo.

O piloto deverá agora usar esta decisão do Tribunal da Relação (de maio deste ano) para contestar o despedimento por justa causa de que foi alvo em dezembro de 2015 – e entretanto já confirmado pelo Tribunal do Trabalho de Cascais.

“O Tribunal do Trabalho concordou com o despedimento por aceitar como argumento que, perante a ofensa, não havia condições para continuar na empresa por se ter quebrado as relações de confiança . Mas se agora a Relação avaliou o caso a nível penal e diz que não se verificou o crime de ofensa, os fundamentos invocados pelo Tribunal do Trabalho têm de ser revistos”, afirma ao Expresso Luís Miguel Sancho, que entrou para a SATA em fevereiro de 2001, tendo seis anos depois subido a piloto comandante e também auditor.

O seu advogado de defesa, José Pedro Barroso, confirma que com este acórdão faz todo o sentido pedir “a reabertura do processo de trabalho”. Para o fazer, a defesa aguarda apenas uma decisão do plenário do Tribunal da Relação, que está a avaliar um dado técnico do recurso também aqui colocado pelo piloto para contestar o despedimento.

Em causa estão afirmações feitas no Facebook pelo antigo comandante da SATA, nomeadamente sobre os aviões escolhidos para substituir os A310, que integram a frota da transportadora. Primeiro, a 26 de junho de 2015, comentou numa página de um grupo onde se discutem assuntos relacionados com os Açores uma notícia sobre a compra de dois A330 para voos de longo curso, criticando a opção da empresa. Classificou as decisões de “desenquadradas e fora do tempo”, por considerar que deviam ter esperado para ver o que “aconteceria à TAP, com este novo patrão”, e afirmou que a empresa açoriana não era competitiva, mas sim “desgovernada”. Além disso, referiu que a SATA tinha os dias contados por, na sua opinião, o Governo regional querer “acabar” com ela . “Mais vale assumir isso de uma vez e fechar a empresa, não asfixiá-la à custa de dinheiros do erário público”, disse.

Na sequência destas afirmações, Luís Miguel Sancho foi suspenso alguns dias. Em setembro de 2015, e depois de vários episódios com a administração, o piloto fez um desabafo na sua página pessoal do Facebook, dando conta de um novo processo disciplinar: “Boas, como não há uma sem duas, hoje fui novamente suspenso, pela entidade empregadora. Duas vezes em menos de sete meses, tem contornos de tentativa recorde ou de perseguição”.

Entretanto, em outubro, foi ouvido na comissão de inquérito da Assembleia Regional, onde disse aos deputados que os aviões A310 com que a companhia açoriana opera estavam “absolutamente obsoletos” e condenou o planeamento das tripulações que, segundo contou, estavam a resultar em prejuízos financeiros. “Sou pago para fazer 900 horas por ano, mas a empresa só me dá 300 horas por ano e pagam-me o mesmo ordenado. É uma empresa muito boa para mim, mas é incomportável manter-se as coisas nesses moldes”, referiu na comissão de inquérito.

“Hoje percebe-se que eu tinha razão no que dizia”

Em dezembro de 2015, quando foi dispensado, a SATA emitiu um comunicado a explicar que o despedimento não tinha a ver com as declarações na comissão de inquérito mas com as questões e afirmações anteriores. No entanto, o advogado de Luís Miguel Sancho diz não ter dúvidas de que todo este processo, que classifica de “perseguição política”, surgiu na sequência das “posições técnicas que o comandante assumiu naquela comissão de inquérito”.

Ao Expresso, o porta-voz da SATA, António Portugal, desvaloriza a recente tomada de posição da Justiça quanto ao processo-crime, referindo que se “tratou apenas de uma decisão instrutória, não tendo sido proferida sentença absolutória”.

A mesma fonte oficial adianta, porém, que transportadora açoriana vai ter novos aviões, confirmando que desta vez foi escolhido o modelo A321. O primeiro aparelho deverá estar apto já em Dezembro, segundo António Portugal.

“Hoje, percebe-se que eu tinha razão no que dizia. A atual administração da SATA mudou de estratégia, desistiu dos A330 (seriam dois), e optou antes por um avião mais adequado às necessidades”, diz, explicando que os A321 têm menos lugares, o que os torna mais rentáveis do que os A330 que a empresa adquiriu e que, entre outros aspetos, o levaram a fazer aquelas críticas. “Com os A330, aviões de duzentos e tal lugares, é muito difícil atingir o breakeven, tendo em conta as rotas”, refere o piloto, que agora está colocado na Air Atlanta Icelandic a voar em modelos Boeing 747-400.

No Tribunal da Relação de Lisboa está ainda a aguardar decisão um outro recurso relativo a este caso, interposto por um antigo administrador da SATA, Francisco Gil. Este também avançou com uma queixa-crime em seu nome contra o mesmo piloto, por ofensa e difamação, e não se conformou com a decisão do juiz de instrução criminal de Cascais que – tal como sucedeu no processo da transportadora – considerou não existirem fundamentos para levar o ex-comandante a julgamento, por este estar a emitir a sua opinião.

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