Sociedade

Do vale à montanha e do mar à serra

Os Postos de Carregamento Rápido disponíveis na Madeira estão situados de modo estratégico mas nem são necessários se se carregar durante a noite em casa
Os Postos de Carregamento Rápido disponíveis na Madeira estão situados de modo estratégico mas nem são necessários se se carregar durante a noite em casa

É assim que começa o hino da Madeira, uma alusão ao terreno muito acidentado da “pérola do Atlântico”. Em teoria, os fortes desníveis tornam esta região muito penalizadora para os veículos elétricos. Na prática, a nossa experiência demonstra o contrário

Os percursos acidentados são pouco amigos dos consumos dos automóveis. O que se torna ainda mais evidente nos veículos elétricos que têm um peso extra para transportar – as baterias. Por isso resolvemos aceitar o desafio lançado pelo leitor Mariano Rodrigues e testar um veículo elétrico na ilha da Madeira, onde é fácil acumular milhares de metros de desnível em viagens curtas. Para o efeito, contactámos a Nissan que nos emprestou um LEAF equipado com uma bateria de 30 kWh. Um veículo que nas estradas mais planas de Portugal Continental provou ser capaz de ter uma autonomia real de cerca de 200 km em condução mista.

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Consumo abaixo do esperado

Para quem não conhece, na Madeira é muito comum encontrarem-se estradas com inclinações superiores a 15% ou mesmo 20%. Aliás, mesmo nos túneis construídos há relativamente poucos anos há exemplos de inclinações superiores a 10%. Se não sabe o que estes valores representam, damos a um exemplo: uma inclinação de 20% significa que a altura aumenta 2 metros a cada 10 metros percorridos. Ou seja, representa uma inclinação muito acentuada.

Considerando estas informações, estávamos à espera de consumos médios muito elevados. Bem acima dos cerca de 14 kW/100 km que obtivemos quando usámos o LEAF para atravessar Portugal Continental (quase sempre em autoestadas com pouco desnível). Mas, depois de cinco dias de utilização, concluímos que o consumo é inferior ao que esperávamos. Na verdade, em circulação nas Vias Expresso – as tais estradas muito baseadas em túneis – e nas poucas vias rápidas disponíveis, verificámos que é possível fazer os tais 200 km com uma única carga de bateria. Uma consequência dos percursos menos acidentados neste tipo de vias e da limitação da velocidade máxima estipulada, que normalmente não ultrapassa os 70/80. Na prática, muitas vezes temos de andar bem abaixo dos 50 km/h.

Num dos primeiros testes que fizemos, gastámos apenas 15% da bateria para fazer o percurso de 45 km entre São Jorge e Porto Moniz, um percurso que cobre boa parte da costa norte da ilha e que tem uma parte considerável ainda em estradas regionais muito inclinadas (onde as Vias Expresso ainda não chegaram). Andámos sempre próximo da velocidade máxima permitida, fizemos várias ultrapassagens e nunca fomos ultrapassados, o que demonstra bem que o teste não foi feito de modo a favorecer o consumo. A este rimo, a acreditar no computador de bordo, autonomia total seria até superior aos 200 km.

Os testes mais exigentes

Mas as Vias Expresso estão longe de representar os percursos mais típicos da Madeira. Para o efeito fizemos dois testes que podem ser considerados “demolidores” para os veículos elétricos (e não só). O primeiro foi sair do Porto Moniz, com 95% de bateria (fizemos, a título de experiência, um carregamento de alguns minutos no Posto de Carregamento Rápido disponível nesta vila) para o Paúl da Serra passando por São Vicente e pela muito conhecida Encumeada – uma das zonas mais belas para passear de carro na Madeira. Ou seja, do nível do mar para cerca de 1500 metros de altitude. Aos 95% de bateria iniciais correspondiam 203 km de autonomia previstos pelo computador de bordo, o que demonstrava bem que o consumo médio andava baixo. Mas quando chegámos ao Paúl da Serra, já a média global tinha subido para 17,6 kWh e a autonomia anunciada era de apenas 55 km. De um outro modo, em 36 km de percursos passámos de 203 km de autonomia para apenas 55! “Evaporaram-se” mais de 150 km de autonomia graças à subida íngreme onde os consumos instantâneos estavam quase sempre acima dos 20/30 kWh/100 km. Como tudo o que sobe tem de voltar a descer, após o percurso inverso o LEAF já mostrava 161 km de autonomia graças à forte regeneração durante a descida – nos carros elétricos os motores transformam-se em geradores de energia, que carrega a bateria, quando desaceleramos e travamos.

Ainda mais exigente foi o segundo teste de subida. De Santana, a vila conhecida pelas casinhas típicas regionais, para a Achada do Teixeira, outro ponto acima dos 1500 metros de altitude, onde o LEAF precisou de 25% da bateria para fazer… apenas 10 km. Ou seja, a este ritmo, a autonomia seria de apenas uns 40 km, o que demonstra bem a exigência do percurso, que fizemos a uma velocidade tão elevada quanto possível e com o carro bem composto (dois adultos, duas crianças e alguma bagagem). Por outro lado, no percurso inverso, a descer, recuperamos quase 50% da bateria que consumimos ao subir.

Ideais para a Madeira

As muitas subidas, as estradas estreitas e os autocarros de turismo fazem com que muitas vezes tenhamos de parar e fazer manobras a meio de subidas íngremes. E, neste aspeto, a disponibilidade de binário imediata dos veículos elétricos – têm toda a força desde que se começam a movimentar – faz toda a diferença. Várias vezes vimos turistas em situações complicadas porque não conseguiam recuperar o andamento a meio das subidas, obrigando-os a ter de deixar deslizar o carro para trás, em manobras complicadas, de modo a poderem ganhar embalagem. Claro que não acontece com todos os carros nem com os condutores mais habituados às estradas locais, mas a facilidade com que reiniciamos a marcha num elétrico ou fazemos uma ultrapassagem faz toda a diferença nestas situações. Nas descidas também há vantagens óbvias, já que a travagem feita pelo motor graças à regeneração já indicada evita o uso dos travões. E na Madeira há muitas histórias de acidentes e sustos provocados pelo excesso de aquecimento dos travões. Curiosamente, circulámos maioritariamente com o modo B do LEAF ativado, uma opção que aumenta a regeneração e travagem com o motor sempre que levantamos o pé do acelerador. Um modo que usamos pouco por Portugal continental porque, regra geral, regenerar é sempre menos eficiente do que deixar embalar, mas que faz todo o sentido nas estradas madeirenses.

Quando a tudo isto associamos as distâncias curtas – 100 km é considerado uma viagem bem longa pelas aquelas paragens – concluímos que os automóveis elétricos são ainda mais indicados para uma ilha como a Madeira. Apesar de existirem postos públicos, incluído alguns de carregamento rápido em pontos estratégicos – o do Funchal estava força de serviço quando passámos por lá –, o carregamento em casa durante a noite foi mais que suficiente para as nossas viagens. Regra geral, regressávamos ao final do dia com ainda “meia bateria” o que significava que a bateria estava sempre a 100% na manhã seguinte usando uma simples tomada doméstica para fazer o carregamento.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: smagno@exameinformatica.impresa.pt

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