A febre do baile
Dançar não tem de ser sinónimo de sair à noite e ficar de ressaca no dia a seguir. As matinés dançantes e os bailes alternativos estão a conquistar Lisboa e o Porto
Dançar não tem de ser sinónimo de sair à noite e ficar de ressaca no dia a seguir. As matinés dançantes e os bailes alternativos estão a conquistar Lisboa e o Porto
(Lisboa)
(Porto)
O domingo costuma ser um dia de preguiça. Há que descansar das saídas de sexta e sábado e preparar o corpo para mais uma semana de trabalho. Não costuma ser dia de festa. Até agora. É que Lisboa e Porto estão a começar a ser invadidos pelas matinés dançantes. Uma adaptação dos antigos chás dançantes, do tempo dos avós, uma espécie de bailes à tarde, mas com chá em vez de champanhe. É uma oportunidade para trocar o pijama e a ronha no sofá por uma festa que não vai dar dores de cabeça no dia a seguir.
A ideia é começar e acabar cedo, mas estas festas costumam estender-se pela noite dentro. Uma tendência que se instalou — e tornou moda — com o Tributo a David Bowie, na icónica discoteca LUX. Depois da morte do cantor, DJ e fãs juntaram-se para o homenagear. A casa esteve cheia e sentiu-se que havia uma lacuna na movimentada vida lisboeta.
As tardes de domingo estavam vazias de entretenimento. E a cidade cheia de gente com vontade de dançar. A discoteca organizou, então, mais uma matiné, o “Dança com Ela”, a comemoração de dez anos do programa com o mesmo nome, que passa na rádio Radar, da autoria de Inês Maria Meneses (sim, a mesma que assina a página ‘Dez perguntas a’ no fim desta revista). Nova casa cheia. Ou melhor, a abarrotar. O sucesso estendeu-se ao Rive Rouge, o novo espaço dos donos do Lux no Mercado da Ribeira, de uma forma mais regular. Afinal, das 18h às 0h também é possível recordações felizes mesmo em cima do fim do fim de semana.
E no dia a seguir — as odiadas segundas-feiras — pode-se estar ‘fresco’ para trabalhar. Não há necessidade de fazer direta, nem o risco de ser apanhado em estado de ressaca pelo chefe.
Mas as tardes de domingo também têm sabor africano. No B.Leza a pista de dança está reservada para aprender kizomba num workshop de duas horas. A Casa Independente, no Intendente, junta à música africana cachupa e transformou as tardes nas matinés Espanta Bjon, que com a chegada do calor, passam agora a começar ao princípio da noite. Já no bar-discoteca Roterdão, no Cais do Sodré, a matiné inclui a hipótese de jantar ou petiscar. A partir das 18h, a pista de dança abre-se e se continuar a correr bem, as quartas-feiras podem também ser dias de matinés dançantes.
O segredo do sucesso está em ocupar um período de espaço vazio, mas também no prazer de dançar. De tal forma, que aos sábados começam a nascer bailes alternativos às noitadas nas discotecas. Nos Anjos, há uma pista clean que se abre para todas as idades. As matinés Ecstatic Dance, na antiga Taberna das Almas, são sem álcool e sem tabaco, para que pessoas de todas as idades as possam aproveitar. “Fico muito feliz de ver as mães a dançar com as crianças. Começou a ser ao sábado à noite, mas quando mudámos para a tarde vimos que tínhamos muito mais adesão”, explica Rute Novais, a organizadora. O conceito começou no Havai, através de uma coreógrafa e de um grupo de alunos que queria apenas dançar, num ambiente saudável e seguro. Antes da abertura da pista de dança, há uma exposição de uma terapia alternativa e estão sempre previstas surpresas para o baile.
Até ao fim do mês, o Baile do Engate, também aos sábados, vai continuar a juntar dança e artes performativas. A iniciativa, da Companhia João Garcia Miguel, do Teatro Ibérico, chama as pessoas a participar num baile que é como se fosse um prolongamento do corpo.
“Queremos que seja feito para a liberdade interior, a partir da celebração do corpo”, explica a atriz Sara Ribeiro, a responsável. Uma mistura de coreografias, performances, DJ e jogos que despertam os sentidos. A programação muda todos os meses e há aqui também um elemento de surpresa. Para agora, está prevista a participação de uma banda de cumbia (dança colombiana, muito popular noutros países da América Latina).
Enquanto as matinés dançantes se renovam, os tradicionais (e antigos) Alunos de Apolo mantêm as tardes de segunda, quarta, sábado e domingo cheias. “Somos a única verdadeira coletividade que ainda faz”, afirma Carlos Rodrigues, presidente da associação. O dinheiro feito com as duas centenas de pessoas que aqui dançam é gasto nos almoços sociais que os Alunos de Apolo disponibilizam na sua freguesia, Campo de Ourique.
Se a tendência revivalista das matinés parece estar a consolidar-se em Lisboa, com uma oferta atrativa e regular, no Porto o ritmo ainda é um pouco descontinuado, mas nem por isso mais lento e há quem aproveite a luz do dia para dançar e experienciar momentos de fruição entre amigos. Não se estendem até o sol raiar, mas as sonoridades contagiantes prolongam-se pelas tardes e inícios de noite, como se não houvesse segunda-feira. Além das tradicionais danceterias, onde a música de baile anima os foliões, outras pistas, palcos e pequenos espaços da Invicta retomam, aos poucos, um hábito incontornável dos anos 1980.
Chama-se “Candonga” e trata-se de uma iniciativa nada ardilosa mas repleta de ginga, onde se pode almoçar, conversar e, incontornavelmente, dançar. Ao domingo à tarde contagia a associação cultural afro-portuguesa Cochiló (conhecida simplesmente por Filó, localizada na Praça da Alegria) com ritmos quentes, através das festas “Afrogrooves”, que vão já na quinta edição e são dinamizadas pelo DJ Farofa. Este domingo (21), entre as 12h e as 19h, há samba com cachupa, funaná com feijoada, mpb, afrobeat, funk e “cerveja para um batalhão”, sendo estes os ingredientes prometidos pela organização para mais uma festa bem condimentada.
Também a romper com a acalmia, no Espaço Compasso (rua da Torrinha, 113) há a iniciativa “Forró de Domingo”, com ritmos e danças originárias do nordeste do Brasil, acompanhados com um copo de “xiboca”. No mesmo local, este sábado, a partir das 16h, realiza-se a “Matiné Folk”, animada pela DJ Chat Vert.
Ainda para aqueles que gostam de passar o final de tarde de domingo a sambar, “O Casarão” (rua do Almada, 305) confeciona, esporadicamente, alguns rodízios musicais e mete o “Batuque na Cozinha”, num encontro alegre entre a música e a gastronomia.
Espaços culturais mais alternativos e vocacionados para um público noctívago, já começaram, em alguns momentos, a abrir as portas durante o dia para fazer a festa. Um desses casos é o Maus Hábitos (MH), situado em frente ao Coliseu do Porto. Entre concertos e instalações artísticas, o MH possui uma oferta cultural diversificada, onde chegaram a estar incluídas as frenéticas matinés domingueiras “Hábitos Sonoros”, também realizadas quinzenalmente no Orfeão do Porto, com concertos vespertinos para dar música à ressaca da noite anterior.
Começa assim, também no Porto, a instalar-se a febre de domingo à tarde.
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