Estão gravados na pedra, nas pinturas rupestres, lado a lado com o homem. Sabe-se que evoluíram do lobo e que nos acompanham há pelo menos 10 mil anos. Por isso não admira que, no deserto árabe, caçadores pré-neolíticos já os representassem de trela, a participarem ativamente nas caçadas. De então para cá, tornaram-se a nossa sombra, e assim que começámos a contar histórias, passámos também a contá-los. E se a literatura foi pródiga em documentar a complexa e interdependente relação entre cães e humanos, os últimos nem sempre saem bem considerados no retrato. Em muitos casos, o cão serve de negativo às contradições e à inconstância humanas, como instrumento para as sublinhar. Homero quis que Odisseu ou Ulisses fosse impiedoso com “Argos”, porque mesmo os grandes heróis, supostamente impolutos, possuem um traço de crueldade. Vinte e sete séculos depois, Tchékhov fez o mesmo com “Kashtanka”, a rafeira maltratada que, depois de perdida e adotada por alguém mais bondoso, acaba por regressar ao antigo e ignóbil dono. Voluntária e alegremente.
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