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Grande entrevista com Nick Cave. “As pessoas mais miseráveis podem criar as coisas mais belas”

Grande entrevista com Nick Cave. “As pessoas mais miseráveis podem criar as coisas mais belas”
Venetia Scot

A poucas semanas de celebrar 67 anos, Nick Cave tem álbum novo na manga e regresso marcado a Portugal no outono. Em Londres, recebeu o Expresso para, demoradamente, conversar sobre amor e luto, salvação e a Bíblia. A morte de dois filhos, diz, mudou a sua perceção dos outros; hoje, o mais importante é “estar atento às alegrias do presente”. Sem nostalgia e sem tretas

Grande entrevista com Nick Cave. “As pessoas mais miseráveis podem criar as coisas mais belas”

Lia Pereira

Em Londres

Who’s next?” A voz soa firme, quase autoritária, e contém vestígios do sotaque da Austrália, onde Nicholas Edward Cave, o terceiro de quatro irmãos, nasceu há quase 67 anos. À porta do salão de entrada de um hotel de luxo em Chelsea, Londres, um dos músicos mais venerados da sua geração espera-nos: altíssimo e eternamente esguio, veste fato escuro e gravata azul, que afagará e enrolará amiúde ao longo da hora que se segue. “Entra no meu escritório”, brinca, enquanto nos sentamos à sua frente, com uma longa mesa pelo meio. “Ouvi dizer que toda a gente vai para Lisboa agora. É o novo sítio da moda, não é?”, indaga, servindo-se de água com gás. A 27 de outubro, Nick Cave regressa a Portugal com os seus Bad Seeds, para um concerto na Meo Arena, em Lisboa, que servirá de apresentação do novo álbum, “Wild God”, nas lojas a 30 de agosto. Quando elogia­mos o tom das canções, entre o êxtase e a redenção, parece surpreender-se: “Gostaste? A sério?”, pergunta, arregalando os olhos de um azul magnético, encimados por grossas sobrancelhas negras que se contorcem a cada resposta.

Gostámos, a sério, mas sob a aparente euforia das novas canções esconde-se inevitavelmente a mágoa que o veterano sempre tratou por tu e que se agudizou nos últimos anos, com a morte de dois dos seus quatro filhos: primeiro Arthur, de 15 anos, caiu numa ravina perto de casa dos pais, em 2015, e em 2022 Jethro, de 31 anos, fruto da relação com a modelo australiana Beau Lazenby, perdeu a vida em circunstâncias não reveladas. Nos palcos — incluindo em Portugal, que visita com frequência, tendo tocado no Porto em 2018 e 2022, ano em que atuou também em Lisboa —, Nick Cave encontrou a salvação, através da “enxurrada de amor” que os fãs lhe entregaram noite após noite. À nossa frente, numa segunda-feira de inusitado calor em Londres, o homem que escreveu ‘Into My Arms’ ou ‘People Ain’t No Good’ ergue-se imperial, como sempre. Mas mede as palavras com régua e esquadro, pontuando cada frase mais delicada com silêncios ponderados ou mostrando entusiasmo e indignação com gestos largos, amplos, como o pregador cuja pele veste nos concertos.

O som da água com gás a cair no copo de vidro dá o sinal de partida: eis a nossa conversa com Nick Cave, um dos grandes autores e performers do nosso tempo, um sobrevivente e, no universo peculiar da música popular, uma lenda.

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