Se está a ler este texto em Portugal através da internet, saiba isto: poderia estar a pagar bem menos pelo serviço. Este ano, o site britânico de comparação de preços Cable analisou mais de 3300 tarifários de internet fixa em todo o mundo e concluiu que Portugal é dos países europeus onde aceder à rede em casa custa mais dinheiro: uma média de €36,38 por mês. A oferta nacional de internet no telemóvel é ainda mais cara: 1GB de dados móveis custa em média €3,67, colocando Portugal no lugar 180 (em 233 países) a nível mundial,com mais de 5300 tarifários analisados (16 em Portugal). Depois de Israel, Itália é o país com o preço mais baixo a nível mundial: cerca de 12 cêntimos por 1GB de dados.
“Portugal é sempre classificado como não tendo ofertas baratas ou relativamente baratas”, corrobora Lurdes Martins, professora de Economia na Universidade do Minho e especialista no mercado de telecomunicações português. A Comissão Europeia sublinhou isso mesmo num relatório publicado em julho: “Comparado com os 27 países da UE, os preços da internet [móvel e fixa] em Portugal são mais altos que a média. Não foram encontradas ofertas mais baratas que a média europeia.”
O mercado português é dominado por três nomes e não existem operadoras de rede móvel virtual (MVNO em inglês) — empresas que compram o direito a aceder às infraestruturas já existentes (antenas ou torres detidas pelas principais operadoras, por exemplo) e depois vendem o serviço ao público, muitas vezes apenas numa determinada região de um país —, algo que podia levar a uma redução de preços. De acordo com um relatório recente da McKinsey, a entrada de um novo MVNO no mercado poderá levar a descida na ordem dos 2%.
Há mais de 60 MVNO nos Países Baixos, mais de 90 na Alemanha, mais de 30 em Espanha, 40 na Bélgica. Isto contrasta com a realidade portuguesa: já houve 14 pedidos de oito MVNO para entrar no mercado nacional, mas em abril do ano passado só três estavam em atividade: Lycamobile Portugal, Nowo e Onitelecom. “A reduzida entrada no mercado poderá sugerir a fraca apetência das MNO [principais operadoras] em permitir o acesso às suas redes”, nota a Anacom. No relatório já citado, Bruxelas mostrou “preocupação” por não haver um acesso regulado a infraestruturas civis, “em especial às condutas e aos postes da MEO”. “A articulação entre operadores com infraestruturas e operadores virtuais está a falhar”, diz Lurdes Martins.
“O que temos constatado é um alinhamento excessivo dos preços nos últimos anos. E isto condiciona muito a escolha do consumidor”, corrobora António Alves, especialista em sociedade digital na associação de defesa do consumidor Deco Proteste. O exemplo da Nowo é pertinente: alguns dos tarifários têm preços mais reduzidos, mas a cobertura do serviço também é reduzida. “Acaba por não ser uma alternativa real para muitos consumidores”, diz o perito da Deco Proteste. Além disso, a Vodafone anunciou em setembro um acordo para comprar a Nowo: a Autoridade da Concorrência já foi chamada a pronunciar-se, e o processo pode estar concluído já no primeiro semestre do próximo ano.
Outro dos problemas no mercado das telecomunicações em Portugal é o custo de rescisão antecipada dos contratos: a nova lei das comunicações eletrónicas, publicada em agosto, teve um impacto insuficiente. “Os custos mantêm-se elevados nos pacotes com mensalidades mais baixas. É o cocktail perfeito para os consumidores se manterem no mesmo operador, mesmo que estejam insatisfeitos”, nota António Alves. A alternativa passa por esperar pelo final do contrato para tentar negociar uma oferta mais vantajosa – mas isso nem sempre é exequível, dada a falta de oferta flexível no mercado nacional: em cada 100 famílias, 91 têm pacotes com serviços combinados (televisão, internet fixa, telemóvel com internet móvel ou telefone fixo), mesmo quando não precisam deles.
“Os preços são complexos e os consumidores não conseguem processar toda a informação, acabando por escolher tarifas mais simples que os protejam de grandes flutuações de despesa mensal em telecomunicações”, diz Lurdes Martins. O problema dos custos deve piorar em 2023. Em outubro, a ANACOM recomendou moderação nos aumentos e mais clareza nos contratos, mas a MEO já anunciou uma subida das mensalidades ajustada à taxa de inflação a partir de fevereiro. “Solicitamos que as operadoras tenham em consideração a situação económica cada vez mais frágil de inúmeras famílias e que prevejam soluções para estes casos”, pede a Deco Proteste.
O Expresso questionou as três principais operadoras sobre estes temas, mas não obteve respostas até ao fecho da edição em papel. Posteriormente, a MEO disse ao jornal que “não comenta negociações em curso com vista ao estabelecimento de novos acordos de MVNO”, e lembrou que a atualização dos preços “está prevista nos contratos dos nossos clientes desde 2018.”
“Serviço público essencial”
A Anacom tem tentando corrigir alguns destes problemas: em meados de novembro, aplicou uma coima de €15 milhões às três principais operadoras por alterarem os preços dos serviços sem informar os clientes. Além disso, o regulador português criou recentemente uma ferramenta para ajudar os consumidores a comparar preços: o site Com.escolha. “A iniciativa da ANACOM foi de louvar porque ajuda o consumidor a obter mais informação”, elogia Lurdes Martins, mas a investigadora considera que isso não chega. “Falta ainda muito para termos internet de qualidade a preços acessíveis, e o Governo deveria ajudar a corrigir a ineficiência observada neste mercado.”
O Executivo já admitiu o fracasso da tarifa social, uma medida do pós-pandemia para assegurar acesso à internet aos cidadãos mais desfavorecidos. Está operacional desde março e poderia abranger 760 mil famílias, mas em novembro só estava ativa em 438.
Tornar a internet mais rápida, barata e acessível é essencial para melhorar as condições de vida de toda a população mundial e não só dos mais desfavorecidos, sublinha um relatório da associação sem fins lucrativos Common Sense Media, publicado neste mês de dezembro. São muitos os sectores que têm a ganhar com um acesso mais democrático à rede: educação, cuidados de saúde, mercado de trabalho ou serviços do estado, por exemplo.
“Estamos a falar de um serviço público essencial”, insiste António Alves. “As operadoras de telecomunicações vão precisar de evoluir para atingir a qualidade necessária para consumidores e empresas”, escreveu em abril o regulador de telecomunicações do Reino Unido, onde o tráfego da internet móvel tem aumentado a um ritmo de 40% por ano nos últimos anos, “e é expectável que continue a crescer”.
O mesmo está a acontecer em Portugal. No primeiro trimestre deste ano, o acesso à internet num local fixo aumentou 12,8% face ao mesmo período do ano anterior; e 46,1% no caso da internet móvel. Num país pobre e onde cerca de 13% dos agregados familiares ainda não têm acesso à internet — o quarto pior registo da UE, apenas atrás de Bulgária, Grécia e Lituânia — uma rede mais democrática é essencial: “Isto é um problema português. É possível fazer melhor”, finaliza Lurdes Martins.
Nota: Artigo atualizado às 17h52 com as respostas da MEO.
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