Mozart e Saramago na Gulbenkian: e se Don Giovanni não tivesse caído no inferno?

O maestro Nuno Coelho (Porto, 1989) e o encenador Jean Paul Bucchieri (Itália, 1967) aceitaram o repto de combinar a partitura da ópera de Mozart “Don Giovanni” com o texto de José Saramago na obra intitulada “Don Giovanni ou o Dissoluto Absolvido”, uma notável reanálise do libertino punido e condenado aos infernos por ter seduzido mais de 2 mil mulheres, uma obra ela própria inspiradora de uma outra ópera assinada por Azio Corghi e estreada em Lisboa em 2006. “O meu ‘Don Giovanni’ começa onde acaba o de Lorenzo da Ponte, é de alguma maneira complementar do dele. E a pergunta que constitui o ponto de partida da minha peça foi ‘E se Don Giovanni não tivesse caído no Inferno?’” O Prémio Nobel da Literatura de 1998 duvidou que ainda fosse possível dizer algo de interesse acerca do mito do Don Juan, expondo alguma relutância em escrever, a propósito dessa polémica personagem, qualquer coisa de novo. O que é afinal o “Don Giovanni” do veneziano Lorenzo da Ponte, autor de três dos libretos das óperas de Mozart? É o homem do catálogo, das listas e das aritméticas que seduziu 640 mulheres na Alemanha, 204 em Itália, 100 em França, 91 na Turquia e 1003 em Espanha? É o homem dos furores sexuais permanentes que provoca a confusão social com as suas incessantes conquistas de mulheres experientes e de virgens, de nobres, camponesas, belas, feias, jovens, idosas, ricas, pobres, loiras, morenas, ruivas? Para Hegel, o que é bem conhecido em geral, precisamente porque é bem conhecido, não é conhecido. Pressupor que alguma coisa é bem conhecida e ficar muito contente com isso é a maneira mais habitual de se ganhar a ilusão do conhecimento e de engrolar as outras pessoas.

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