Livros

Com Nobel ou sem Nobel, António Lobo Antunes continua a escrever: “O Tamanho do Mundo” é, acima de tudo, uma surpresa

14 outubro 2022 10:04

fotografias tiago miranda

Aos 80 anos, António Lobo Antunes continua a escrever romances ao mesmo ritmo de sempre. Terça-feira lança o seu 32º, “O Tamanho do Mundo”, que o Expresso já leu

14 outubro 2022 10:04

Em 1972, Henry Miller, o autor de livros tão importantes como “Trópico de Capricórnio” e a trilogia “Rosa-Crucificação” (“Sexus”, “Plexus” e “Nexus”), publicou numa editora minúscula, e com uma tiragem de apenas 200 exemplares, um livrinho de 34 páginas intitulado “On Turning Eighty” (“Sobre Chegar aos 80 Anos”). Entre várias reflexões sobre a bênção que representa chegar a tão vetusta idade ainda ativo, ainda física e intelectualmente capaz, o escritor nova-iorquino escreveu o seguinte: “Com a idade avançada, os meus ideais, que normalmente nego possuir, alteraram-se definitivamente. O meu ideal é ficar livre de ideais, livre de princípios, livre de ‘ismos’ e ideologias. Quero enfrentar o oceano da vida como um peixe enfrenta o mar. Quando era novo, preocupava-me muitíssimo com o estado do mundo, mas hoje, embora ainda barafuste e me indigne, contento-me simplesmente em deplorar o estado das coisas. Dizer isto pode soar a presunção, mas na verdade significa que me tornei mais humilde, mais consciente das minhas próprias limitações e das limitações dos meus semelhantes. Já não tento converter as pessoas à minha visão das coisas, nem procuro curá-las.”

No passado dia 1 de setembro, também António Lobo Antunes se tornou octogenário — e não é difícil imaginá-lo a subscrever as palavras de Miller. Há muito que o autor de “Fado Alexandrino” e “Tratado das Paixões da Alma” parece fechado numa cápsula que o isola do mundo à sua volta, um casulo onde tece incansavelmente a sua prosa narrativa, essa conversa de si para si mesmo, por vezes tão fechada e virada para dentro que quase se assemelha a uma forma de autismo, com as suas insistências e réplicas, ecos e repetições, sempre na mesma toada, que é, no fim de contas, a sua voz única, depurada ao fim de mais de quatro décadas de atividade literária e mais de três dezenas de romances, uma voz que por vezes se torna monocórdica, até monótona, mas logo se incendeia e reinventa, uma voz que continua a ser, provavelmente, a mais poderosa da literatura portuguesa.