9 outubro 2022 9:43

Em janeiro de 1964, John Gideon Okello foi nomeado Presidente de Zanzibar, após a revolução que depôs o sultão Jamshid bin Abdullah
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Num romance com ecos das narrativas intrincadas de “As Mil e Uma Noites”, Gurnah faz convergir as agruras do exílio com a memória da vida em Zanzibar no estertor do império britânico
9 outubro 2022 9:43
Há precisamente um ano, a 7 de outubro de 2021, a Academia Sueca atribuiu o Nobel de Literatura a um escritor discreto e praticamente desconhecido, Abdulrazak Gurnah, tanzaniano a viver no Reino Unido há várias décadas, “pela forma intransigente e compassiva como descreveu penetrantemente os efeitos do colonialismo e o destino dos refugiados no abismo que separa culturas e continentes”. A frase justificativa do Comité Nobel, lapidar como é seu apanágio, podia ser a sinopse de vários dos romances de Gurnah — e particularmente de “Junto ao Mar”, publicado pela primeira vez em 2001.
No arranque do livro, o narrador começa justamente por contar as circunstâncias da sua chegada a Inglaterra e a uma nova vida, aos 65 anos, numa idade em que não é vulgar as pessoas abandonarem a sua terra, por muito precária que seja a sua condição, para procurar abrigo num país onde nunca estiveram. Mas é precisamente isso que faz Saleh Omar, em trânsito de uma cidade junto às águas cálidas do Índico, na costa oriental de África, para outra junto às gélidas águas britânicas. Antes de partir, o homem que lhe vendeu o bilhete de avião aconselhou-o a simular o desconhecimento da língua inglesa, de forma a não se comprometer nos primeiros interrogatórios. Começa, portanto, a sua jornada europeia numa espécie de mutismo, de silêncio cuidadoso e temerário.