Num livro de espantosa lucidez, Annie Ernaux transforma a memória de um aborto clandestino numa experiência literária dura, intransigente e inesperadamente bela. O crítico José Mário Silva escreve sobre “O Acontecimento”, romance autobiográfico da vencedora do Nobel da Literatura 2022
Annie Ernaux, autora de “O Acontecimento”, vencedora do Nobel da Literatura 2022
Ulf Andersen
No início desta novela assumidamente autobiográfica, a narradora, quase sexagenária, está num consultório médico, à espera do resultado de um teste de VIH. Uns meses antes, “num ato de fraqueza”, aceitara voltar a ver um homem com quem já não se relacionava e temia que ele tivesse vindo de Itália apenas para lhe transmitir o vírus da sida. O ano é 1999, a fase mais negra da pandemia já ficara para trás, os cocktails eficazes de medicamentos haviam reduzido a mortalidade, mas a palavra ‘seropositivo’ ainda queimava, ainda guardava uma aura de espada de Dâmocles, de porta maldita que ninguém espera ter de abrir.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: josemariosilva@bibliotecariodebabel.com
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