Livros

Um homem no mundo: a propósito de "Mocidade Portuguesa", as memórias da juventude de Jorge Calado

19 agosto 2022 22:00

Cena de rua de Lisboa no início dos anos 50: os jovens ardina e engraxador servindo um cavalheiro de classe média

bert hardy/getty images

Jorge Calado ocupa um lugar exemplar na cultura em Portugal. Cientista e professor jubilado, é também respeitado crítico de artes. “Mocidade Portuguesa” reúne as memórias da sua juventude, de Lisboa a Oxford

19 agosto 2022 22:00

Além de químico e professor jubilado do Instituto Superior Técnico, Jorge Calado (Lisboa, 1938) é também um crítico cultural de referência, nas áreas da música, da fotografia e das artes (nomeadamente no Expresso, onde escreve há várias décadas). As memórias da sua juventude foram recentemente editadas pela Imprensa Nacional. Dividem-se em 18 capítulos, distribuídos por três partes, intituladas ‘Casa’, ‘Cidade’ e ‘Mundo’. A sequência começa pelo seu nome e pelas memórias de infância, para terminar na sua passagem decisiva pela Universidade de Oxford, onde se doutorou em 1970. Escrita depurada, sem recurso a malabarismos literários, estas memórias são um poço de informação para o período que vai de 1940 a 1960. A carga subjetiva e sentimental não parece ser tão evidente. Isto é, o autor prefere objetivar e racionalizar situações em lugar de dissertar sobre os seus estados de alma.

A expressão dos seus afetos surge, sobretudo, na sobriedade com que reconhece o empenho do pai, professor de liceu e autor de manuais escolares, e da mãe, professora primária e explicadora, na criação de uma estabilidade familiar. Há, ainda, a constatação genérica de ter crescido “mimado num mundo feminino”. No entanto, a revelação dos seus sentimentos está, sobretudo, presente na relação de Calado com duas figuras que marcaram a sua vida. Por um lado, o irmão, cujo “atraso mental” causava desconforto social na família e em relação ao qual manteve um sentimento de proteção. Por outro lado, a figura que transforma este livro num dos raríssimos registos autobiográficos da cultura portuguesa, no qual o autor assume — sem intenções de estar a escrever um manifesto — a sua relação de amor, de meio século, com o companheiro de toda uma vida.