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Festival de Berlim: Urso de Ouro para a franco-senegalesa Mati Diop

"Dahomey", de Mati Diop
"Dahomey", de Mati Diop

“Dahomey”, documentário em torno dos artefactos saquedos pelos franceses em África no século XIX e restituídos ao Benim em 2021, impôs-se esta noite no festival alemão. Hong Sangsoo, Bruno Dumont e o dominicano Nelson Carlos De Los Santos Arias venceram prémios de relevo, nas categorias de interpretação ganhou a língua inglesa

A franco-senegalesa Mati Diop, de 41 anos, venceu a Berlinale e conquistou o prémio mais significativo da carreira com um documentário de 67 minutos – prova de que também os filmes não se medem aos palmos, já que este foi, de resto, o mais curto dos 20 que se apresentaram ao concurso.

Filha do compositor Wasis Diop e sobrinha do grande cineasta senegalês Djibril Diop Mambéty (1945-1998), também ela atriz ocasional antes de se ter tornado cineasta (a sua longa anterior, “Atlantique”, esteve no concurso de Cannes 2019), Mati investigou desta vez o que significou para o Benim a restituição de 26 artefactos que a França, enquanto potencia colonial, saqueou no século XIX ao reino de Dahomey.

A devolução de Outubro de 2021, em plena pandemia, foi um pequeno primeiro passo - os franceses tiraram do território milhares de peças – mas um passo decisivo de justiça histórica, contribuindo para a recuperação do património e da identidade coletiva daquele Estado africano. Definitivamente, “Dahomey” abre para o futuro um diálogo político vital entre os dois continentes, entre ex-colonizadores e ex-colonizados, equação que obviamente também envolve Portugal.

Escrevia-se há dias numa crónica que, quando os júris discutem (não estão lá para outra coisa) e não se entendem com as ficções, os documentários tendem a sair beneficiados. Não é improvável que isso tenha acontecido ao júri que a atriz Lupita Nyong'o presidiu, e que foi formado pelos cineastas Christian Petzold, Albert Serra e Ann Hui, pelos intérpretes Jasmine Trinca e Brady Corbet, e pela escritora ucraniana Oksana Zabuzhko (que fez o mais contundente discurso anti-guerra da noite).

Contudo, e com maior ou menor consenso, “Dahomey” deu provas de invenção e mostrou rasgo que baste para justificar esta chamada ao palmarés. Está construído como um exorcismo político, amplifia memórias e ficciona vozes que passaram demasiado tempo nas catacumbas da História.

O mundo sofre de “falta de imaginação”

Hong Sangsoo e Bruno Dumont foram premiados por filmes que trouxeram mais-valias às suas obras; o primeiro rencontrou-se com Isabelle Huppert, o segundo usou a farsa e a máscara da ficção-científica para reavaliar o choque entre o Bem e o Mal que constitui a humanidade.

O mundo está “ com um problema de falta de imaginação”, para citar o que disse o dominicano Nelson Carlos De Los Santos Arias no palco da Potsdamer Platz. E em boa hora decidiu o júri apostar nele, premiando-o com um Urso de Prata de Melhor Realização pela inventiva de “Pepe”, o “filme do hipopótamo”, tal como ele foi tratado ao longo destes últimos dez dias.

Quanto às interpretações, venceu a língua inglesa. A principal (Berlim baniu há anos a questão do género) foi para Sebastian Stan, que é de facto excelente em “A Different Man”. Note-se que o ator romeno-americano é sobretudo conhecido pelos seus desempenhos em filmes de super-heróis da Marvel, algo que não deixa de ser significativo. A melhor interpretação secundária coube ao melhor de “Small Things Like These”: venceu Emily Watson, que encarna na obra irlandesa uma temível madre superiora.

Com a saída do diretor Carlo Chatrian (que trabalhou nos últimos anos em parceria com Mariette Rissenbeek) e do comité de seleção que o acompanhou ao longo de mais de uma década (desde o Festival de Locarno), a Berlinale fecha um ciclo que privilegiou a ousadia e a aventura do cinema de autor. Se não foi um ciclo perfeito, porque eles não existem, acertou mais do que falhou. Uma grande parte dos cineastas mais temerários revelados neste século deve imenso a esta equipa, tal como em dívida vai ficar o cinema português. As páginas mais bonitas da sua história recente a nível internacional passaram, precisamente, por Locarno e por Berlim. Veremos agora o que traz o futuro e se este capítulo terá consequências, aqui ou em qualquer outro lugar.

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