O passado ainda o atormenta, diz que não dá para esquecer. Rui Moniz tem hoje 30 anos. Tinha 7 quando sofreu um AVC que lhe deixou um braço paralisado e uma perna que mal se mexe. Coxeia, inclinado sobre a direita. “Então, não morreste? Agora vai dar-te um [AVC] que vais morrer”, disse-lhe Arlindo Silva, o polícia que se encontrava de serviço na secretaria das instalações da PSP em Alfragide naquela noite de 25 de fevereiro de 2015. Depois de lhe tirarem a identificação do bolso, Silva ainda lhe gritou: “Ainda por cima és ‘pretoguês’!”
Outros cinco rapazes da Cova da Moura — Bruno, Celso, Flávio, Miguel e Paulo — encontravam-se igualmente detidos na esquadra. Bruno Lopes foi algemado na Rua do Moinho, por ter alegadamente atirado pedras a um veículo da polícia que estava a passar. Celso, Flávio e Paulo decidiram dirigir-se à esquadra para saberem do amigo. Já Rui — contou em tribunal em 2018 — foi surpreendido e abordado por agentes ao sair da loja de telecomunicações existente ao lado da esquadra, por desconfiarem de que ele poderia estar a filmá-los com o telemóvel. Levou com uma cacetada na mão que segurava o aparelho e um soco no olho e foi atirado ao chão. Na esquadra, levou mais socos, pontapés e chapadas. Tinha uma tala no antebraço do membro paralisado, pelo que não conseguiram algemá-lo. Prenderam-no a um banco. Disse-lhes, aflito, que estava a ficar sem ar. Um agente deu-lhe um pontapé na cabeça e mandou-o baixar a cabeça. A mãe haveria de dirigir-se à esquadra com a medicação que precisa de tomar todos os dias, mas não o deixaram tomá-la.
Deste episódio resultaram 17 polícias acusados pelo Ministério Público. Foram condenados oito, entre eles o chefe da esquadra Luís Anunciação e o agente João Nunes, autor de dois disparos aquando da detenção de Bruno Lopes que resultaram em ferimentos em duas moradoras do bairro. Apenas Joel Machado cumpriu pena efetiva, de um ano e seis meses, pelo facto de já antes ter sido condenado pela prática do crime de ofensa à integridade física.
Segundo dados a que o Consórcio de Jornalistas de Investigação teve acesso, existem discursos de ódio e ameaças feitas online por forças de segurança portuguesas — que configuram crimes públicos — e indícios que ajudam a perceber as ligações entre o caso de Alfragide, o nascimento do Movimento Zero, as associações ao partido de extrema-direita Chega e os ataques a políticos. Tivemos acesso a 3090 posts e comentários e foram identificados 591 indivíduos: 295 militares da GNR e 296 agentes da PSP. Simpatizante do Chega e adepto do Movimento Zero, um deles é um dos agentes condenados no episódio de Alfragide.
Sobre o colega Joel Machado, promovido a agente principal cinco dias antes de se entregar em Évora para cumprir pena, aquele agente escreveu: “Machado, és e serás sempre um dos melhores operacionais que a PSP pode e poderia ter nas suas fileiras.” Acerca do caso de Alfragide, foi mais longe e escreveu: “Somos como um castelo construído em cima de madeira podre, sendo que o sistema judicial e todos os seus interesses são essa madeira. Nojenta./ Repito, não é mágoa. É facto. Seus lixos. Tenho nojo, mas serei Polícia até me comerem os ossos.”
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