A Revista do Expresso

“Há uma onda de amor entre mim e o público.” Grande entrevista a Nick Cave

20 novembro 2022 19:52

O cantor perdeu dois filhos. Mas os fãs salvaram-lhe a vida

20 novembro 2022 19:52

O músico e escritor Nick Cave atravessou o deserto. “Tento escrever da perspetiva de que, na nossa vida, podemos passar por algo que é absolutamente arrasador mas que também pode ser redentor e belo”, diz. Em 2015, Arthur, o filho de 15 anos de Cave, morreu depois de cair de um penhasco perto da casa da família em Brighton, Inglaterra. Depois, com o tempo, o cantor conseguiu alcançar um novo apreço pela graciosidade frágil da vida. A sua arte refletiu a mudança. Cave era um dos príncipes obscuros da música, um compositor e artista reverenciado, sem medo da abrasão e provocação sonora e lírica, um ávido habitante nas sombras da alma. Gradualmente, porém, tornou-se um transmissor de espetáculos ao vivo e álbuns gloriosamente catárticos, animadores e empáticos, embora não menos influentes. Fora da música, a necessidade de continuar a habitar a sua nova maneira de ser cresceu para incluir os “The Red Hand Files”, uma coluna online regular na qual o cantor, uma figura anteriormente algo intimidante, responde com preocupação comovente e clareza moral às perguntas frequentemente introspetivas dos leitores. “Faith, Hope and Carnage”, um livro que compila uma série de entrevistas exploratórias entre o músico e o jornalista Sean O’Hagan, publicado a 20 de setembro, foca bastante essa metamorfose do australiano de 63 anos. Infelizmente, em maio, após a conclusão das entrevistas, o filho mais velho do artista, Jethro, morreu inesperadamente, aos 31 anos. “Penso que as pessoas que estão a sofrer estão conscientes do prazo de validade do seu próprio sofrimento”, afirma Cave sobre a perspetiva de continuar a explorar publicamente as suas perdas. “Mas, no que diz respeito a Arthur e a Jethro, não consigo lavar as mãos e dizer: ‘OK, agora vou seguir em frente’.”

Para mim, a frase mais devastadora do seu livro está no posfácio de Sean, quando ele escreve que, desde que acabaram as entrevistas para o livro, o Nick perdeu outro filho. Isto depois de 250 páginas, ou assim, em que falam fundamentalmente sobre como encontrou um sentido e voltou à vida depois da morte de Arthur. Talvez as coisas ainda estejam muito frescas para que consiga responder a isso, ou talvez não haja resposta, mas o que pensa sobre tentar seguir em frente novamente depois de sofrer uma segunda perda?

Não sei como dizer isto, na verdade, mas sei que há uma saída. A coisa aterradora sobre quando Arthur morreu foi que eu pensava: como é que este sentimento alguma vez poderá ser diferente? Não quero que tudo o que falo e tudo o que sou gire em torno destas perdas, mas sinto-me obrigado a contar às pessoas que estão na mesma situação de tristeza — e há centenas de pessoas assim que escrevem para os “The Red Hand Files” — que há uma saída. A maioria das pessoas que escrevem, especialmente no início do seu luto, simplesmente não consegue compreender o que estou a dizer. Eu sei exatamente como se sentem. Compreendo-o em relação a Jethro.