Nove de abril de 1970, estrada do Carregado, a 40 km de Lisboa. Manhã cedo, o trânsito era intenso — ou não fosse um troço da principal artéria que ligava a capital ao Porto. De paralelepípedos de granito, a estrada era (e é) estreita e cheia de curvas. E ainda mais estreita se tornava devido aos altos muros de pedra que a ladeavam. A velocidade era necessariamente reduzida e não havia como não reparar nas estranhas frases que alguém, a coberto da noite, pintara nos muros. A vermelho, uma dizia, em letras garrafais, “Morra Soares”; a preto, outra rezava: “Soares ao pelotão!” O alvo era Mário Soares, o dirigente de uma das fações da oposição, contra quem o regime se encarniçara furiosamente nos últimos dias, devido às acusações que ele fizera no estrangeiro contra a ditadura e a Guerra Colonial. Ameaçadoras, as pichagens estendiam-se por quase uma centena de metros, à entrada do Carregado quando se vinha de Vila Franca de Xira. E, uma vez transposta a placa com o nome da povoação, prolongavam-se pelos muros brancos da bomba de gasolina da BP. Agressivos, os ditos, alguns com erros ortográficos de palmatória, eram de uma invulgar virulência “Comunista nogento! Morte ao cão!”; “Capen-no!”; “Soares judeu. Maten-no!”; “Soares maldito”; “Soares traidor”; “Soares comunista!!!”; “Soares turra! Maten-no!” Os autores deixaram uma marca bem visível, “C.C.C.”, sigla desconhecida e que fizeram questão de explicitar: “Comité de Caça aos Comunistas”, com direito a logótipo e tudo.
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